sexta-feira, 2 de abril de 2010

TRÍDUO PASCAL – SEXTA-FEIRA SANTA – Cristo Crucificado é o Verbo que não passa e bate ao coração de cada homem



SEXTA -FEIRA DA PAIXÃO DO SENHOR

Is 52, 13-53, 12
Sl 30
Hb 4, 14-16; 5, 7-9
Jo 18, 1-19, 42


«Cristo, precisamente como Crucificado, é o Verbo que não passa, é o que está à porta e bate ao coração de cada homem»

Os acontecimentos da Sexta-Feira Santa e, ainda antes, a oração no Getsêmani, introduzem uma mudança fundamental em todo o processo da revelação do amor e da misericórdia, na missão messiânica de Cristo. Aquele que andou fazendo o bem e curando a todos (At 10, 38) e curando todo tipo de doença e de enfermidade (Mt 9, 35) mostra-se ele próprio, agora, digno da maior misericórdia e parece apelar para a misericórdia, quando é preso, ultrajado, condenado, flagelado, coroado de espinhos, quando é pregado na cruz e expira no meio de tormentos atrozes. É então que ele se apresenta particularmente digno da misericórdia dos homens a quem fez o bem; e não a recebe. Até aqueles que lhe são mais próximos não o sabem proteger e arrancar da mão de seus opressores. Nesta fase final do desempenho da função messiânica cumprem-se em Cristo as palavras dos profetas e, sobretudo, as de Isaías, proferidas a respeito do Servo de Javé: Suas feridas foram o preço de nossa cura (Is 53, 5).

Cristo, enquanto homem, que sofre realmente e de modo terrível no Jardim das Oliveiras e no Calvário, dirige-se ao Pai, àquele Pai cujo amor pregou aos homens e de cuja misericórdia deu testemunho com todo o seu agir. Mas não lhe é poupado, nem sequer a ele, o tremendo sofrimento da morte na cruz: Aquele que não cometeu pecado, Deus o fez pecado por nós (2Cor 5, 21), escreveria São Paulo, resumindo em poucas palavras toda a profundidade do mistério da cruz e, ao mesmo tempo, a dimensão divina da realidade da Redenção. É precisamente essa redenção a última e definitiva revelação da santidade de Deus, que é a plenitude absoluta da perfeição: plenitude da justiça e do amor, pois a justiça funda-se no amor, dele emana e para ele tende.

A cruz de Cristo sobre o Calvário surge no caminho daquele admirabile commercium, daquela comunicação admirável de Deus ao homem, que encerra, ao mesmo tempo, o chamamento dirigido ao homem para que, dando-se a si mesmo a Deus e oferecendo consigo todo o mundo visível, participe da vida divina e, como filho adotivo, se torne participante da verdade e do amor que estão em Deus e provêm de Deus.

A cruz é o modo mais profundo de a divindade se debruçar sobre a humanidade e sobre tudo aquilo que o homem – especialmente nos momentos difíceis e dolorosos – considera o seu próprio destino infeliz. A cruz é como que um toque do amor eterno nas feridas mais dolorosas da existência terrena do homem, é o cumprir-se cabalmente do programa messiânico, que Cristo um dia tinha formulado na sinagoga de Nazaré e que repetiu depois diante dos enviados de João.

No centro desse programa está sempre a cruz, porque nela a revelação do amor misericordioso atinge seu ponto culminante. Enquanto não passarem as coisas antigas (Ap 21, 4), a cruz permanecerá como aquele “lugar”, a que se poderiam referir ainda outras palavras do Apocalipse de São João: Eis que estou à porta e bato; se alguém ouvir minha voz e abrir a porta, eu entrarei na sua casa e tomaremos a refeição, eu com ele e ele comigo (Ap 3, 20). Deus revela também, de modo particular, a sua misericórdia, quando solicita o homem, por assim dizer, a exercitar a misericórdia para com seu próprio Filho, para com o Crucificado.

Cristo, precisamente como Crucificado, é o Verbo que não passa, é o que está à porta e bate ao coração de cada homem, sem coagir sua liberdade, mas procurando fazer irromper dessa mesma liberdade o amor; um amor que é, não apenas ato de solidariedade para com o Filho do homem que sofre, mas também, de certo modo, uma forma de “misericórdia”, manifestada a cada um de nós para com o Filho eterno do Pai.


Papa João Paulo II
“Dives in misericordia”, cap. V, 7.8

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