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sábado, 3 de abril de 2010

TRÍDUO PASCAL – SÁBADO SANTO – VIGÍLIA PASCAL – Dies Christi! O dia do Senhor ressuscitado!



SÁBADO SANTO - VIGÍLIA PASCAL

Gn 1,1 – 2,2/Sl 103
Gn 22,1-18/Sl 15
Ex 14,15 – 15,1
Is 54,5-14/Sl 29
Is 55,1-11
Br 3,9-15.32-4,4/Sl 18
Ez 36,16-17a.18-28/Sl 41
Rm 6,3-11/Sl 117
Lc 24,1-12


« Dies Christi! O dia do Senhor ressuscitado!

Este é o dia que o Senhor fez!»


“Este é o dia que o Senhor fez: seja para nós dia de alegria e de felicidade” (Sl 117, 24)

Irmãos, esperemos o Senhor e exultemos de alegria, a fim de O vermos e de rejubilarmos na Sua luz. Abraão exultou com a simples idéia de ver o dia de Cristo, e por isso mereceu vê-lo e rejubilar (Jo 8, 56). Também tu tens de velar todos os dias às portas da Sabedoria (Pr 8, 34), montar guarda, com Maria Madalena, à porta do túmulo de Cristo. E estou certo de que então compreenderás com ela quão verdadeiro é o que lemos nas Escrituras sobre a Sabedoria em pessoa, que é Cristo: «os que a amam descobrem-na facilmente. Ela antecipa-se a dar-se a conhecer aos que a desejam» (Sb 6, 12-13).

Foi Ele mesmo que o prometeu: «Amo os que Me amam; quem Me procura encontrar-Me-á» (Pr 8, 17). Foi assim que Maria encontrou Jesus na carne, pois velava, tendo ido ao túmulo antes de amanhecer. É verdade que tu já não O conhecerás segundo a carne (2Cor 5, 16), mas segundo o espírito. Mas encontrá-Lo-ás espiritualmente, se O procurares com um desejo semelhante ao de Maria: «A minha alma deseja-Vos de noite, e o meu espírito dentro de mim busca-Vos» (Is 26, 9). Diz com o salmista: «A minha alma está sedenta de Vós» (62, 2).

Velai, pois, irmãos, e rezai intensamente! Velai tanto mais quanto desponta já a aurora do dia que não tem ocaso. Sim, «já é hora de despertardes do sono, que a noite vai adiantada e o dia está próximo» (Rm 13, 11-12). Velai, pois, para que a Luz da manhã, Cristo, nasça para vós, pois «iminente como a aurora está a Sua vinda» (Os 6, 3); Ele está disposto a renovar muitas vezes o mistério da Sua ressurreição matinal em favor daqueles que para Ele velam. Então poderás cantar, de coração jubiloso: «O Senhor actuou neste dia, cantemos e alegremo-nos nele».


Beato Guerric d'Igny, Abade Cisterciense
3º Sermão para a Ressurreição
(SC 202, p.249s rev.)

quinta-feira, 1 de abril de 2010

TRÍDUO PASCAL - QUINTA-FEIRA SANTA – Oh, meu Senhor, por que preço resgataste o meu serviço inútil!



QUINTA-FEIRA SANTA

Ex 12,1-8.11-14
Sl 115
1Cor 11,23-26
Jo 13,1-15


"Oh, meu Senhor, por que preço resgataste o meu serviço inútil"

"Tende em vós os mesmos sentimentos da Jesus Cristo". "Ele, que é de condição divina", igual a Deus por natureza uma vez que partilha do Seu poder, a Sua eternidade e o Seu próprio ser, cumpriu o ofício de servo "humilhando-se e fazendo-se obediente ao Pai até à morte, e morte de cruz" (Fl 2,5-8). Poder-se-ia considerar de somenos que, sendo Seu Filho e Seu igual, Ele tenha servido o Pai como um servo; melhor, serviu o Seu próprio servo mais do que qualquer outro servo. Porque o homem tinha sido criado para servir o seu criador; que haverá de mais justo para ti do que servir Aquele que te criou, sem o qual tu nem existirias? E que haverá de mais feliz do que servi-lo, uma vez que servi-lo é reinar? Mas o homem disse ao seu Criador: "Não servirei" (Jr 2,20).

"Pois bem, servir-te-ei eu!" diz o Criador ao homem. "Senta-te à mesa; farei eu o serviço; lavar-te-ei os pés. Descansa; tomarei os teus males sobre os meus ombros; carregarei todas as tuas fraquezas. Se estiveres fatigado ou carregado, levar-te-ei, a ti a à tua carga, a fim de ser o primeiro a cumprir a minha lei: 'Levai os fardos uns dos outros' (Gal 6,2). Se tiveres fome ou sede, eis-me pronto a ser imolado para que possas comer a minha carne e beber o meu sangue. Se te levarem para o cativeiro ou te venderem, eis-me aqui; resgato-te dando o preço que conseguires com a minha venda; dou-me a mim mesmo como preço. Se estiveres doente, se receares a morte, morrerei em vez de ti para que, do meu sangue, faças remédio para a vida".

Oh, meu Senhor, por que preço resgataste o meu serviço inútil! Com que arte plena de amor, de doçura e de benevolência recuperaste e submeteste este servo rebelde, triunfando do mal pelo bem, confundindo o meu orgulho com a Tua humildade, cumulando o ingrato com os Teus benefícios! Eis aí o triunfo da Tua sabedoria!


Beato Guerric d'Igny, Abade Cisterciense
1º Sermão para os Ramos

quarta-feira, 31 de março de 2010

SEMANA SANTA- 2ª-FEIRA – Espalhar o perfume da compaixão nos pés de Cristo



SEGUNDA -FEIRA DA SEMANA SANTA

Evangelho segundo S. João 12,1-11


«Espalhar o perfume da compaixão nos pés de Cristo»

Já vos falei dos dois perfumes espirituais: o da contrição, que se estende a todos os pecados — é simbolizado pelo perfume que a pecadora espalhou nos pés de Jesus: «toda a casa ficou cheia desse cheiro»; há também o da devoção que consolida todas as mercês de Deus... Mas há um perfume que ultrapassa de longe estes dois; chamar-lhe-ei o perfume da compaixão. Compõe-se, com efeito, dos tormentos da pobreza, das angústias em que vivem os oprimidos, das inquietudes da tristeza, das faltas dos pecadores, em resumo, de toda a dor dos homens, mesmo dos nossos inimigos. Estes ingredientes parecem indignos e, contudo, o perfume em que entram é superior a todos os outros. É um bálsamo que cura: «Felizes os misericordiosos, pois alcançarão misericórdia» (Mt 5,7).

Assim, um grande número de misérias reunidas sob um olhar compassivo são as essências preciosas... Feliz a alma que cuidou de aprovisionar estes aromas, de neles espalhar o óleo da compaixão e de os pôr a ferver no fogo da caridade! Quem é, no vosso entender, «o homem feliz que tem piedade e empresta os seus bens» (Sl 111,5), inclinado à compaixão, pronto a socorrer o seu próximo, mais contente com dar do que com receber? Quem é esse homem que perdoa facilmente, resiste à cólera, não permite a vingança, e em todas as coisas olha como suas as desgraças dos outros? Quem quer que seja essa alma impregnada do orvalho da compaixão, de coração transbordante de piedade, que se dá inteira a todos, que não é, ela mesma, senão um vaso rachado onde nada é invejosamente guardado, essa alma, tão morta para si mesma que vive unicamente para os outros, tem a felicidade de possuir esse terceiro perfume que é o melhor. As suas mãos destilam um bálsamo infinitamente precioso (cf. Ct 5,5), que não se esgotará na adversidade e que os lumes da perseguição não conseguirão secar. É que Deus lembrar-se-á sempre dos seus sacrifícios.


São Bernardo de Claivaux
Sermão 12 sobre o Cântico dos Cânticos

domingo, 28 de março de 2010

DOMINGO DE RAMOS – Bendito seja o que vem em nome do Senhor



DOMINGO DE RAMOS E DA PAIXÃO DO SENHOR
28 DE MARÇO


"Bendito seja o que vem em nome do Senhor"

É sob dois aspectos bem diferentes que a festa de hoje apresenta aos filhos dos homens Aquele que a nossa alma deseja (Is 26,9), “o mais belo dos filhos dos homens” (Sl 44,3). Ele atrai o nosso olhar sob esses dois aspectos; amamo-lo sob um e sob o outro, porque num e noutro Ele é o Salvador dos homens.

Se considerarmos ao mesmo tempo a procissão de hoje e a Paixão, vemos Jesus, por um lado sublime e glorioso, por outro humilhado e doloroso. Porque, na procissão, Ele recebe as honras reais e, na Paixão, vemo-lo castigado como um malfeitor. Aqui cercam-no a glória e a honra; além, “não tem aparência nem beleza” (is 53,2). Aqui, temos a alegria dos homens e o orgulho do povo; além, temos “a vergonha dos homens e o desprezo do povo” (Sl 21,7). Aqui, aclamam-no: “Hosana ao Filho de David. Bendito seja o rei de Israel que vem!” Além, vociferam que merece a morte e escarnecem dele porque se fez rei de Israel. Aqui, correm para Ele com palmas; além, flagelam-lhe o rosto com as mesmas palmas e batem-lhe na cabeça com uma cana.. Aqui, cumulam-no de elogios; além, afogam-no em injúrias. Aqui, disputam-se para juncar-lhe o caminho com as vestes dos outros; além, despojam-no das suas próprias vestes. Aqui, recebem-no em Jerusalém como o rei justo e o Salvador; além, é expulso de Jerusalém como um criminoso e um impostor. Aqui, montam-no sobre um burro, rodeado de homenagens; além, é pendurado da cruz, rasgado pelos chicotes, trespassado de chagas e abandonado pelos seus.

Senhor Jesus, quer o Teu rosto apareça glorioso quer humilhado, sempre nele vemos brilhar a sabedoria. Do Teu rosto irradia o fulgor da luz eterna (Sb 7,26). Que brilhe sempre sobre nós, Senhor, a luz do Teu rosto (Sl 4,7) nas tristezas como nas alegrias... Tu és a alegria e a salvação de todos, quer te vejam montado sobre o burro, quer suspenso do madeiro da cruz.


Beato Guerric d'Igny
Abade cisterciense
Sermão sobre os Ramos

domingo, 7 de março de 2010

Quaresma - Esforcemo-nos em progredir todos os dias, porque é avançando na virtude que veremos a Deus




«Esforcemo-nos em progredir todos os dias, porque é avançando na virtude que veremos a Deus»


«Que cada um se examine agora para saber em que estado está, e esforcemo-nos em progredir todos os dias, porque é avançando na virtude que veremos o Deus dos deuses, na Sião celeste. É sobretudo neste tempo que nos devemos aplicar em viver na pureza; durante este tempo, digo, em que é concedido à fragilidade humana um número de dias certos mas curtos, para que ela não desanime. Porque se nos é dito a toda a hora: 'levai uma vida pura', quem não se desencorajaria de a conseguir? Ora, somos convidados neste tempo de pouca dura a reparar as negligências do resto do ano, e a viver de maneira a que no resto do tempo, se veja brilhar as marcas desta santa quarentena na nossa conduta.

Esforcemo-nos então, meus irmãos, em passar este tempo em exercícios piedosos, e em restaurar as nossas armas espirituais. De fato, nesta época do ano, parece que todo o universo, com o Salvador à frente, caminha como um exército contra o inimigo. Bem-aventurados os que terão combatido com valentia sob tal governo.»


São Bernardo de Clairvaux
Sermão VII para a Quaresma
Editiones Cistercienses

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

FESTA DA APRESENTAÇÃO DO SENHOR - Impossível deixar de olhar-te, Senhor



APRESENTAÇÃO DO SENHOR
02 DE FEVEREIRO
FESTA


«Impossível deixar de olhar-te, Senhor»


“Não o permitas, Senhor Deus meu, não permitas, Amado meu, que meus olhos estejam em outro lugar distinto de minha cabeça, e que eu não esteja continuamente unido a Ti, meu Amado. Te seguirei com todas as minhas forças por onde quer que vás ou voltes, e quando não puder alcançar-te me contentarei com cair rendido a ti. Tenho muito gravada esta frase: pela vida do Senhor e por minha vida, que não te deixarei, e que terei meus olhos sempre em ti. Teu escravo está sempre disposto a obedecer o que ordene o meu Senhor, mas me resulta intolerável que afastes teus olhos de mim ou que eu os tire de ti. Volta teus olhos para mim e os meus para ti, porque eu jamais poderei olhar a ti se Tu não te fixas antes em mim. Tu, que és o mais formoso, sereno e doce de todos, o Unigênito de Deus Pai, que vives e reinas com esse mesmo Pai e o Espírito Santo e és Deus por todos os séculos dos séculos. Amém”.


John of Ford, Abade Cisterciense
Sermón 48 sobre el Cantar de los Cantares, vol. II, p. 226
Biblioteca Cisterciense – Burgos 2003

sábado, 23 de janeiro de 2010

S.AELRED DE RIEVAULX – 900º Aniversário de seu nascimento



SANTO AELRED DE RIEVAULX
12 DE JANEIRO
SOLENIDADE CALENDÁRIO LITÚRGICO CISTERCIENSE


Neste ano de 2010 nós honramos o 900º aniversário de nascimento de Santo Aelred de Rievaulx

Quando Aelred estava na corte do Rei David da Escócia, era admirado por seu talento. Ele era querido sempre mais por sua amigável e gentil personalidade. Uma vez, na presença do rei, um outro cortesão lhe insultou, acusando-o de muitos delitos. Aelred ouviu pacientemente. Então, quando seu acusador tinha terminado, ele calmamente agradeceu-lhe por sua caridade em lhe contar as suas faltas. O acusador ficou tão surpreendido pela humildade de Aelred que pediu a ele que o perdoasse por suas injustificadas acusações.

Por aquele tempo Aelred estava ponderando sobre uma vocação para a vida monástica. Ele hesitava em entrar para um mosteiro porque isso significaria desistir do companheirismo de seus muitos amigos. Gradualmente, entretanto, ele veio a enxergar, em sua grande hesitação, um covarde apego aos seres humanos em vez de a Deus.

Aelred tomou para si os rigores cistercienses como um peixe a água. A estrita regra estava ali para moldá-lo, e ele em retorno ajudaria a moldar o espírito cisterciense.

Os muitos dons de Aelred, naturais e sobrenaturais, atraíram a atenção de seus irmãos. Eles o escolheram para Abade, primeiro em Revesby e depois em Rievaulx. Ele aceitou a ambas eleições com relutância. Ele sabia que isso envolveria o desistir de muito do seu amado silêncio. Mas claro que ele se mostrou ideal para o papel, aceitando seus deveres como um conjunto de cruzes necessário.

Como superior, ninguém foi mais rigoroso que Aelred, e no entanto ele governou com uma vencedora gentileza.

Os monges de Aelred, quando de sua morte, ficaram profundamente tristes por perdê-lo. Em seu escrito ‘Spiritual Friendship’ (Amizade Espiritual), Aelred escreveu uma passagem que poderia ser usada para descrever a ele próprio: “Eu diria que o Irmão Simon era uma amizade de criança. Toda a sua ocupação era amar e ser amado.”

Depois do Vaticano II, muitas comunidades, especialmente as de lingua inglesa no mundo, comprometeram-se com programas de "construção de comunidades", resolução de conflitos e habilidades de comunicação, e assim por diante. Em muitas comunidades existe uma preocupação por cultivar a maturidade afetiva e pela qualidade das relações entre os membros. O tema da schola caritatis adotado para o Capítulo Geral de 1996 indica a preocupação generalizada na Ordem para fazer nossas casas afetivamente viáveis. De acordo com Michael Casey,o maior obstáculo para isso é o individualismo.

Muitas Ordens tem o mesmo problema. Um Franciscano Geral disse que a principal razão dada para secularização em sua Ordem era a ‘solidão’.

Contudo, a experiência do deserto ou da noite escura da alma é parte e parcela da vida cristã. Verdadeira comunhão, koinonía, como eles tinham na Igreja primitiva, fornecem a chave para a verdadeira vida em família. Nesse espírito, a ‘escola do amor’ de nossos Pais e Mães Cistercienses, fornece a melhor forma de vencer a solidão.

O salmista diz que o justo cai sete vezes ao dia. Ele também diz que um irmão ajudado pelo irmão é como uma cidade forte. E de qualquer maneira, é pouco provável que nós sempre estaremos todos mal de uma vez e ao mesmo tempo.

Possa Santo Aelred, Patrono deste Mosteiro, nos conceder a graça de uma verdadeira vida em família, para assim atrair mais 'cortesãos' à amizade com Jesus, aqui nos Montes Lammermuir. Amen.


Fr. Nivard McGlynn,OCSO
Chapter Sermon
Dom Donald's Blog

S.AELRED DE RIEVAULX – Receber ao Senhor no coração: preparar o castelo interior



SANTO AELRED DE RIEVAULX
12 DE JANEIRO
SOLENIDADE CALENDÁRIO LITÚRGICO CISTERCIENSE

RECEBER AO SENHOR NO CORAÇÃO

Nosso receber ao Senhor

Quem de vós, se Nosso Senhor estivesse na terra e quisesse chegar até Ele, não se alegraria de um modo admirável e inefável? Que diremos, portanto, irmãos, se agora, porque Ele não está corporalmente na terra, porque não podemos recebê-lo corporalmente, por isto deixaríamos de esperar a Sua vinda? Preparemos devidamente nossas casas e, sem dúvida, nesse trabalho, Ele virá muito melhor que se tivesse vindo corporalmente.


Receber ao Senhor no coração


Preparar o castelo interior: a fundação e a humildade

Por conseguinte, irmãos, preparemos a casa espiritual para que venha a nós o Nosso Senhor. Digo sem rodeios: se a Virgem Maria não tivesse preparado em si este castelo, o Senhor Jesus não haveria entrado em seu seio nem em seu coração.

Preparemos, pois, este castelo. Nele se fazem três coisas para que seja forte, isto é: fundação, muro e torre. Primeiro, a fundação; depois, o muro sobre a fundação e, por último, a torre que é mais forte e excelente que tudo o mais. O muro e a fundação se protegem mutuamente porque, se não precede a fundação, podem os homens, por algum meio engenhoso, aproximarem-se do muro para escavá-lo. E se o muro não estivesse sobre a fundação, poderiam aproximarem-se igualmente a esta e enchê-la. A torre guarda todas as coisas porque é mais alta que todas.

Entremos, agora, em nossa alma e vejamos como deve realizar-se espiritualmente tudo isto em nós.

Encher a fundação

Que é a fundação senão a terra profunda? Então, cavemos em nosso coração onde haja terra vil. Tiremos a terra que está dentro e a joguemos fora. Assim, efetivamente, se faz a fundação.

A terra que devemos tirar e jogar fora é nossa terrena fragilidade. Que esta não permaneça oculta no interior, mas que esteja sempre presente ante nossos olhos para que exista a fundação em nosso coração, quer dizer, a terra profunda da humildade.

Logo, irmãos, esta fundação é a humildade. Recordemos do que disse aquele dono da vinha no Evangelho a respeito daquela árvore que o Senhor da vinha quis cortar porque não encontrou fruto nela: Senhor, deixa-a também este ano até que cave ao redor e a melhore. Quis fazer ali uma fundação, isto é, ensinar-lhe a humildade. Assim, pois, irmãos, comecemos a edificar esta casa porque, se tal fundação não estivesse primeiramente em nosso coração, quer dizer, a verdadeira humildade, poderíamos edificar só ruína sobre a própria cabeça.


S. Aelred de Rievaulx, Abade Cisterciense
Del Sermón 17, En la Asunción de María
Del libro “Caminar con Cristo”
Padres Cistercienses

S.AELRED DE RIEVAULX – Praticar a caridade fraterna segundo o exemplo de Cristo



SANTO AELRED DE RIEVAULX
12 DE JANEIRO
SOLENIDADE CALENDÁRIO LITÚRGICO CISTERCIENSE

Devemos praticar a caridade fraterna segundo o exemplo de Cristo

“Nada nos anima tanto ao amor dos inimigos, no que consiste a perfeição da caridade fraterna, como a grata consideração daquela admirável paciência com a qual Aquele que era «o mais belo dos homens» entregou seu atraente rosto às afrontas dos ímpios, e submeteu aqueles olhos, cujo pestanejar rege todas as coisas, a ser velados pelos iníquos; aquela paciência com a qual apresentou suas costas à flagelação e sua cabeça, temível aos principados e potestades, à aspereza dos espinhos; aquela paciência com a qual se submeteu aos opróbrios e maus tratos; com a qual, enfim, admitiu pacientemente a cruz, os cravos, a lança, o fel, o vinagre, sem deixar de manter-se em todo momento suave, manso e tranquilo. Em resumo, como cordeiro foi levado ao matadouro, como uma ovelha ante o tosquiador, emudecia e não abria a boca.

Haverá alguém que ao escutar aquela frase admirável, plena de doçura, de caridade, de imutável serenidade: «Pai, perdoa-lhes», não se apresse a abraçar com toda sua alma a seus inimigos? «Pai», disse, «perdoa-lhes». Haveria algo mais de mansidão ou de caridade que pudesse acrescentar a esta petição?

Entretanto, Ele o acrescentou. Era pouco interceder; quis também desculpá-los. «Pai», disse, «perdoa-os porque não sabem o que fazem». São desde sempre grandes pecadores, mas muito pouco perspicazes; portanto, Pai, perdoa-os. Crucificam; mas não sabem a quem crucificam, porque «se tivessem sabido, nunca teriam crucificado ao Senhor da glória»; por isso, «Pai, perdoa-os». Pensam que se trata de um prevaricador da lei, de alguém que se crê presunçosamente Deus, de um sedutor do povo. Mas Eu lhes havia escondido meu rosto e não puderam conhecer minha majestade; por isso, «Pai, perdoa-os, porque não sabem o que fazem».

Em consequência, para que o homem se ame retamente a si mesmo, procure não deixar-se corromper por nenhum atrativo mundano. Mas para não sucumbir ante semelhantes inclinações, trate de orientar todos os seus afetos até a suavidade da natureza humana do Senhor. Logo, para sentir-se sereno mais perfeita e suavemente com os atrativos da caridade fraterna, trate de abraçar também a seus inimigos com um verdadeiro amor.

Mas para que este Fogo divino não se debilite ante as injurias, considere sempre com os olhos da mente a serena paciência de seu amado Senhor e Salvador”.


S. Aelred de Rievaulx, Abade Cisterciense
De speculo caritatis, III, V: PL 195, 582

S.AELRED DE RIEVAULX – Deus permitiu ao homem ser feliz



SANTO AELRED DE RIEVAULX
12 DE JANEIRO
SOLENIDADE CALENDÁRIO LITÚRGICO CISTERCIENSE

«Deus permitiu ao homem ser feliz: o homem é capaz de ser feliz»

"Na criação do universo Deus permitiu ao homem não somente existir, como aos outros seres, nem de ser somente bom, nem somente belo e equilibrado, mas também ser feliz. Mas, como nenhuma criatura existe por si mesma, nem por si mesma é bela ou boa, mas recebe o que tem do próprio Deus, que é o sumo ser, o sumo bem, a suma beleza, a bondade de todas as coisas boas, a beleza de todas as coisas belas, a causa de todas as coisas existentes, assim nem a felicidade de todas as realidades felizes é feliz por si mesma, mas por obra daquele que é a suma felicidade. Somente a criatura racional é capaz de tal felicidade. Essa, de fato, foi criada à imagem do seu Criador e, portanto, é adequada a unir-se profundamente a Ele, do qual é à imagem: dado que Ele é o único bem da criatura racional, como afirma o santo Davi: o meu bem é estar junto de Deus. Certamente esta não é uma união do corpo, mas da alma, na qual o autor da natureza inseriu três faculdades com as quais o homem torna-se possuidor da eternidade divina, participante da sabedoria divina e saboreador da doçura divina. Chamo a estas três faculdades de memória, ciência, amor ou vontade. A memória é capaz de conduzir à eternidade, a ciência à sabedoria, a vontade à doçura. O homem foi criado com estas três faculdades à imagem da Trindade: graças à memória lembra-se de Deus sem poder esquecê-lo, com a ciência o conhece sem errar, através da vontade o abraça sem desejar nenhuma outro coisa. Alcançado este ponto é feliz".


S. Aelred de Rievaulx, Abade Cisterciense
De speculo caritatis, I, III, a cura di M. A. Chirico, pp.309-311
Scuola Cistercense, Pensieri D’amore, Casale Monferrato 2000

S.AELRED DE RIEVAULX – VÍDEO – Elogio da amizade


SANTO AELRED DE RIEVAULX
12 DE JANEIRO
SOLENIDADE CALENDÁRIO LITÚRGICO CISTERCIENSE





S. Aelred de Rievaulx, Abade Cisterciense
Del Tratado de San Elredo sobre la amistad espiritual
Col.Padres Cistercienses n.9, Azul-Argentina, 1982, pp.288-290
Monasterio Sta.María de Las Escalonias


sábado, 16 de janeiro de 2010

EPIFANIA DO SENHOR - Para Vós, Senhor, a manifestação do vosso Filho é a manifestação clara do quanto e como nos amastes



SOLENIDADE DA EPIFANIA DO SENHOR
03 DE JANEIRO

«Para Vós, Senhor, falar por meio do vosso Filho não foi outra coisa senão trazer à luz do sol, isto é, manifestar claramente o quanto e como nos amastes»

“Somente Vós sois realmente o Senhor, Vós para quem dominar sobre nós é salvar-nos; enquanto, para nós, servir-vos nada mais é do que ser salvos por vós.

Senhor, de Vós procede a bênção e a salvação para vosso povo. Mas que salvação é esta senão a graça que nos concedeis de vos amar e de ser amados por vós?

Por isso, Senhor, quisestes que o Filho que está à vossa direita, o homem que fortalecestes para Vós, fosse chamado Jesus, isto é, Salvador; pois ele vai salvar o povo de seus pecados (Mt 1,21) e em nenhum outro há salvação (At 4,12). Ele nos ensinou a amá-Lo, ao nos amar primeiro e até à morte de cruz. Por seu amor e sua dileção, suscita nosso amor por Ele, que nos amou primeiro até o fim. Foi assim mesmo: Vós nos amastes primeiro para que vos amássemos. Não tínheis necessidade de ser amado por nós, mas não poderíamos atingir o fim para o qual fomos criados se não vos amássemos. Eis por que, tendo falado outrora a nossos pais muitas vezes e de muitos modos por intermédio dos profetas, nestes últimos tempos nos falastes pelo vosso filho, pelo vosso Verbo; por Ele é que os céus foram criados, e pelo sopro de seus lábios, todo o universo (Sl 32,6).

Para Vós, falar por meio do vosso Filho não foi outra coisa senão trazer à luz do sol, isto é, manifestar claramente o quanto e como nos amastes, Vós que não poupastes vosso próprio Filho, mas o entregastes por todos nós. E Ele também nos amou e se entregou por nós.

É essa, Senhor, a Palavra que nos dirigistes, o Verbo todo-poderoso. Quando todas as coisas estavam envolvidas no silêncio (Sb 18,14), ou seja, nas profundezas do erro, ele desceu do seu trono real (Sb 18,15) para combater energicamente todos os erros e fazer triunfar suavemente o amor.

E tudo o que Ele fez, tudo o que disse na terra, até aos opróbrios, até aos escarros e às bofetadas, até à cruz e à sepultura, não foi senão a Palavra que nos dirigistes em vosso Filho, suscitando pelo vosso amor o nosso amor por Vós.

Bem sabíeis, ó Deus, Criador dos homens, que este amor não pode ser imposto, mas que é necessário estimulá-lo no coração humano. Porque onde há coação não há liberdade, e onde não há liberdade também não há justiça. Quisestes assim que vos amássemos, pois não poderíamos ser salvos com justiça sem vos amar; e não poderíamos amar-vos sem
receber de Vós esse amor.

Por isso, Senhor, como diz o Apóstolo do vosso amor e nós também já dissemos, Vós nos amastes primeiro; e amais primeiro todos os que vos amam. Nós, porém, vos amamos com afeto do amor que pusestes em nós. Mas vosso amor, vossa bondade, ó sumamente Bom e Sumo Bem, é o Espírito Santo, que procede do Pai e do Filho. Desde o princípio da criação Ele pairava sobre as águas, isto é, sobre os espíritos indecisos dos filhos dos homens; Ele se oferece a todos, atrai tudo a si, inspirando, encorajando, afastando as coisas nocivas, providenciando as úteis, unindo Deus a nós e unindo-nos a Deus”.


Guilherme de Saint-Thierry
Abade do Mosteiro de Saint-Thierry
De contemplando Deo, 9-11: SCh 61, 90-96

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

NATAL DE NOSSO SENHOR – Hoje nasceu o Verbo Encarnado



NATAL DE NOSSO SENHOR JESUS CRISTO
SOLENIDADE COM OITAVA
25 DE DEZEMBRO

«Hoje nasceu o Verbo Encarnado»

"Este dia é um dia muito feliz para Ti, Senhor, que te alegrou com a gozosa noticia de teu Filho que nasceu da estirpe de David enquanto homem, teu Filho formosíssimo e totalmente igual a Ti, até o ponto de que quem vê a Ele te vê a Ti. Que por esse dia e desde esse dia pereça o dia de meu nascimento e deixe de existir o dia de minha concepção, porque nele nasceu teu Filho e veio ao mundo para que sua formosa figura e sua encantadora presença elimine a deformidade do gênero humano. Por esse dia, Senhor piedoso, e por tua Obra maravilhosa, nasceu para Ti; e por teu Dom misericordioso nasceu para nós, a fim de que ao mirar sua Figura nos reconciliemos contigo e Tu te compadeças de nós".


John of Ford, Abade Cisterciense
Sermones sobre el Cantar de los Cantares, sermón 35, p. 67


domingo, 6 de dezembro de 2009

ADVENTO – 2º DOMINGO – Vejam-te meus olhos!



DOMINGO II DO ADVENTO


Vejam-te meus olhos!

Jesus bendito, minha esperança, meu desejo, meu amor, tenho uma coisa para te dizer, uma coisa a teu respeito, um assunto cheio de dor e de miséria.

Tu que és o Verbo, Unigênito do Pai que não foi gerado, tornado carne por mim, Palavra saída do coração do Pai, Palavra que Deus proferiu uma só vez (cf. Hb 9,26), Palavra pela qual «nos últimos dias» (Hb 1,2) o teu Pai celeste me falou, digna-te escutar, Tu, ó Palavra de Deus, a palavra que desejos abundantes fazem sair do meu coração!

Escuta e vê: a minha alma fica triste e toda perturbada quando me dizem cada dia: «Onde está o teu Deus?» (Sl 41,4). Não tenho nada a responder, receio que não estejas aí, não sinto a tua presença.

O meu coração arde, desejo ver o meu Senhor. Onde estão, na verdade, a minha paciência e a minha constância? És Tu o Senhor meu Deus e, eu, o que vou fazer? Procuro-te e não te encontro; desejo-te e não te vejo; corro atrás de ti e não te agarro. Qual é a minha força, para que possa suportar?Até onde posso resistir? Há alguma coisa mais triste do que a minha alma? Algo mais miserável? Algo mais provado? Acreditas, meu Amor, que a minha tristeza se mudará em alegria quando te vir (Jo 16,20)?...

«Fala, Senhor, que o teu servo escuta» (1Sm 3,9). Que eu possa escutar o que Tu dizes em mim, Senhor meu Deus. Dize à minha alma: «Sou a tua salvação!» (Sl 84,9; 34,3) Dize mais, Senhor, e fala de forma a que eu te ouça: «Meu filho, tu estás sempre comigo e tudo o que é meu é teu» (Lc 15,31). Ah! Verbo de Deus Pai! é isso que eu queria ouvir.


Hildebrando, Monge Cisterciense do século XIII
“Opúsculo Sobre a Contemplação”

domingo, 29 de novembro de 2009

ADVENTO – 1º DOMINGO – Vinde a nós, Senhor!



DOMINGO I DO ADVENTO

«Vinde a nós, Senhor!»

“Aguardamos o aniversário de Vosso nascimento, ó Jesus e, segundo Vossa promessa, vê-lo-emos logo. Fazei que, elevando-se nosso espírito acima desse mesmo, se lance, louco de alegria, ao Vosso encontro, Senhor, Vós que vindes com ardor impaciente, desejoso de contemplar o futuro.

Vinde a nós, Senhor, mesmo antes do Vosso Advento! Antes de aparecerdes ao mundo inteiro, vinde visitar-nos, no íntimo da alma. Vinde agora visitar-nos neste tempo entre o primeiro e o último advento, afim de que não nos seja inútil Vossa primeira vinda e não nos condene a última.

Com Vossa vinda atual, procurais corrigir nossa soberba e conformar-nos com Vossa humildade manifestada na primeira vinda. Então podereis transformar nosso humilde corpo, tornando-o semelhante ao Vosso glorioso, quando aparecerdes no último dia.

Suplicamo-vos ardentemente: preparai-nos para obtermos esta visita pessoal, que nos confere à graça do primeiro advento e nos promete a glória do fim dos tempos. Porque Vós, Senhor, amais a misericórdia e a verdade, conferir-nos-eis a graça e a glória; a graça, por Vossa misericórdia, e a glória na verdade.”


Beato Guerric d'Igny, Abade Cisterciense
De Adventu Domini, 2,3

ADVENTO – 1º DOMINGO – É necessária a Vossa presença, ó Cristo!



DOMINGO I DO ADVENTO

«É necessária a Vossa presença, ó Cristo! »

“É necessária a Vossa vinda a todos os homens, ó nosso Salvador!

É necessária a Vossa presença, ó Cristo!

Vinde, pela Vossa imensa bondade! Habitai em nós pela fé e iluminai nossa cegueira. Ficai conosco e ajudai nossa enfermidade.

Colocai-Vos ao nosso lado, protegendo e defendendo nossa fragilidade. Se estiverdes em nós, quem poderá enganar-nos? Que não poderemos em Vós que nos confortais? Se estiverdes conosco, quem contra nós?

Justamente para isto viestes ao mundo: a fim de que, habitando em nós, conosco e por nós, colocando-Vos ao nosso lado, ilumineis nossas trevas, alivieis nossos cansaços, afastei de nós os perigos”.


São Bernardo de Clairvaux
De Adventu Domini, 7, 2

domingo, 25 de outubro de 2009

São Bernardo de Claraval, doce poeta de Nossa Senhora



São Bernardo de Claraval, doce poeta de Nossa Senhora

CIDADE DO VATICANO, quarta-feira, 21 de outubro de 2009 (ZENIT.org) - Oferecemos, a seguir, o texto completo da catequese pronunciada hoje pelo Papa Bento XVI, durante a Audiência geral com os peregrinos procedentes do mundo inteiro, na Praça de São Pedro.

***

Queridos irmãos e irmãs,

Hoje, eu gostaria de falar sobre São Bernardo de Claraval, chamado de “o último dos Padres” da Igreja, porque no século XII, mais uma vez, ele renovou e fez presente a grande teologia dos padres.

Não conhecemos em detalhe os anos da sua juventude; sabemos, contudo, ele nasceu em 1090 em Fontaines, na França, em uma família numerosa e discretamente acomodada. Ainda muito jovem, dedicou-se ao estudo das chamadas artes liberais – especialmente da gramática, retórica e dialética – na Escola dos Canônicos da Igreja de Saint-Vorles, em Châtillon-sur-Seine, e amadureceu lentamente a decisão de entrar na vida religiosa.

Por volta dos 20 anos, entrou em Cîteaux (Cister), uma fundação monástica nova, mais ágil com relação dos antigos e veneráveis mosteiros de então e, ao mesmo tempo, mais rigorosa na prática dos conselhos evangélicos. Alguns anos mais tarde, em 1115, Bernardo foi enviado por Santo Estêvão Harding, terceiro Abade de Cister, a fundar o Mosteiro de Claraval (Clairvaux). O jovem Abade, com somente 25 anos, pôde aqui afinar sua própria concepção da vida monástica e empenhar-se em traduzi-la à prática. Observando a disciplina de outros mosteiros, Bernardo falou com decisão da necessidade de uma vida sóbria e comedida, tanto à mesa como na indumentária e nos edifícios monásticos, recomendando a sustentação e o cuidado dos pobres. Entretanto, a comunidade de Claraval era cada vez mais numerosa e multiplicava suas fundações.

Nessa mesma época, antes de 1130, Bernardo empreendeu uma vasta correspondência com muitas pessoas, tanto importantes como de modestas condições sociais. Às muitas cartas deste período, é preciso acrescentar os numerosos Sermões, como também Sentenças e Tratados. Destaca-se também, nesses anos, a grande amizade de Bernardo com Guilherme, Abade de Saint-Thierry, e com Guilherme de Champeaux, uma das figuras mais importantes do século XII.

De 1130 em diante, começou a ocupar-se de muitas e graves questões da Santa Sé e da Igreja. Por este motivo, teve de sair mais frequentemente do seu mosteiro, inclusive fora da França. Fundou também alguns mosteiros femininos e foi protagonista de um vivo epistolário com Pedro o Venerável, Abade de Cluny, sobre quem falei na última quarta-feira.

Ele dirigiu seus escritos polêmicos sobretudo contra Abelardo, um grande pensador que iniciou uma nova forma de fazer teologia, introduzindo o método dialético-filosófico na construção do pensamento teológico. Outra frente contra a qual Bernardo lutou foi a heresia dos Cátaros, que desprezavam a matéria e o corpo humano, desprezando, por conseguinte, o Criador. Ele, no entanto, sentiu-se no dever de defender os judeus, condenando os cada vez mais difundidos brotos de anti-semitismo. Por este último aspecto de sua ação apostólica, algumas décadas mais tarde, Epharim, Rabino de Bonn, dedicou a Bernardo uma vibrante homenagem. Nesse mesmo período, o santo Abade escreveu suas obras mais famosas, como os celebérrimos Sermões sobre o Cântico dos cânticos.

Nos últimos anos da sua vida – ele faleceu em 1153 –, Bernardo teve de limitar as viagens, ainda que sem interrompê-las totalmente. Aproveitou para revisar definitivamente o conjunto das Cartas, dos Sermões e dos Tratados. Vale a pena mencionar um livro bastante particular, que ele terminou precisamente nesse período, em 1145, quando um aluno seu, Bernardo Pignatelli, foi eleito Papa com o nome de Eugênio III. Nessa circunstância, Bernardo, em qualidade de pai espiritual, escreveu a esse filho espiritual o texto De Consideratione, que contém ensinamentos para poder ser um bom Papa. Nesse livro, que continua sendo uma leitura conveniente para os papas de todos os tempos, Bernardo não indica somente como ser um bom papa, mas expressa também uma profunda visão do mistério da Igreja e do mistério de Cristo, que se resolve, no final, com a contemplação do mistério de Deus uno e trino: “Deveria prosseguir ainda a busca desse Deus que ainda não foi bastante buscado – escreve o santo Abade –, mas talvez se possa buscar e encontrar mais facilmente coma oração que com a discussão. Terminemos, portanto, aqui o livro, mas não a busca” (XIV, 32: PL 182, 808).


Eu gostaria de deter-me somente em dois aspectos centrais da rica doutrina de Bernardo: estes se referem a Jesus Cristo e a Maria Santíssima, sua Mãe. Sua solicitude pela íntima e vital participação do cristão no amor de Deus em Jesus Cristo não traz orientações novas no status científico da teologia. Mas, de forma mais decidida que nunca, o Abade de Claraval configura o teólogo com o contemplativo e o místico.

Só Jesus – insiste Bernardo, frente às complexas reflexões dialéticas do seu tempo – é “mel na boca, cântico no ouvido, júbilo no coração” (mel in ore, in aure melos, in corde iubilum). Daqui provém o título, atribuído a ele pela tradição, de Doctor mellifluus: seu louvor a Jesus Cristo “se derrama como o mel”.

Nas extenuantes batalhas entre nominalistas e realistas – duas correntes filosóficas da época –, o Abade de Claraval não se cansa de repetir que só há um nome que conta, o de Jesus Nazareno. “Árido é todo alimento da alma – confessa – se não for tocado por este óleo; é insípido se não for temperado com este sal. O que escreves não tem sabor para mim, se não leio nele Jesus”. E conclui: “Quando discutes ou falas, nada tem sabor para mim, se não sinto ressoar o nome de Jesus” (Sermões em Cantica Canticorum XV, 6: PL 183,847). Para Bernardo, de fato, o verdadeiro conhecimento de Deus consiste na experiência pessoal, profunda, de Jesus Cristo e do seu amor. E isso, queridos irmãos e irmãs, vale para todo cristão: a fé é, antes de mais nada, um encontro pessoal e íntimo com Jesus; é fazer a experiência da sua proximidade, da sua amizade, do seu amor, e somente assim se aprende a conhecê-lo cada vez mais, a amá-lo e segui-lo cada vez mais. Que isso possa acontecer com cada um de nós!

Em outro célebre sermão do domingo dentro da oitava da Assunção, o santo Abade descreveu em termos apaixonados a íntima participação de Maria no sacrifício redentor do seu Filho: “Ó santa Mãe – exclama –, verdadeiramente uma espada transpassou tua alma! (...) Até tal ponto a violência da dor transpassou tua alma, que com razão podemos te chamar mais que mártir, porque em ti a participação na paixão do Filho superou muito em intensidade os sofrimentos físicos do martírio” (14: PL 183,437-438).

Bernardo não hesita: "per Mariam ad Iesum": através de Maria somos conduzidos a Jesus. Ele confirma com clareza a subordinação de Maria a Jesus, segundo os fundamentos da mariologia tradicional. Mas o corpo do Sermão documenta também o lugar privilegiado da Virgem na economia da salvação, dada sua particularíssima participação como Mãe (compassio) no sacrifício do Filho. Não por acaso, um século e meio depois da morte de Bernardo, Dante Alighieri, no último canto da “Divina Comédia”, colocará nos lábios do Doutor melífluo a sublime oração a Maria: “Virgem Mãe, filha do teu Filho/ humilde e mais alta criatura / término fixo do eterno conselho...” (Paraíso 33, vv. 1ss.).

Estas reflexões, características de um enamorado de Jesus e de Maria, como São Bernardo, provocam ainda hoje, de forma saudável, não somente os teólogos, mas todos os crentes. Às vezes se pretende resolver as questões fundamentais sobre Deus, sobre o homem e sobre o mundo com as únicas forças da razão. São Bernardo, ao contrário, solidamente fundado na Bíblia e nos Padres da Igreja, recorda-nos que sem uma profunda fé em Deus, alimentada pela oração e pela contemplação, por uma relação íntima com o Senhor, nossas reflexões sobre os mistérios divinos correm o risco de serem um vão exercício intelectual e perdem sua credibilidade. A teologia reenvia à “ciência dos santos” a sua intuição dos mistérios do Deus vivo, a sua sabedoria, dom do Espírito Santo, que são ponto de referência do pensamento teológico.

Junto a Bernardo de Claraval, também nós devemos reconhecer que o homem busca melhor e encontra mais facilmente Deus “com a oração que com a discussão”. No final, a figura mais verdadeira do teólogo continua sendo a do apóstolo João, que apoiou sua cabeça no coração do Mestre.

Eu gostaria de concluir estas reflexões sobre São Bernardo com as invocações a Maria, que lemos em sua bela homilia: “Nos perigos, nas angústias, nas dúvidas, pensa em Maria, invoca Maria. Que seu nome nunca se afaste de teus lábios, jamais abandone teu coração; e para alcançar o socorro da intercessão dela, não negligencies os exemplos de sua vida. Seguindo-a, não te transviarás; rezando a Ela, não desesperarás; pensando nela, evitarás todo erro. Se Ela te sustenta, não cairás; se Ela te protege, nada terás a temer; se Ela te conduz, não te cansarás; se Ela te é favorável, alcançarás o fim” (Hom. II super “Missus est”, 17: PL 183, 70-71).


Papa Bento XVI
Audiência Geral de 21 de outubro de 2009


Não se pode fazer teologia sem experiência de Cristo, afirma Bento XVI



Não se pode fazer teologia sem experiência de Cristo

O Papa dedica a audiência geral ao santo Abade Bernardo de Claraval

CIDADE DO VATICANO, quarta-feira, 21 de outubro de 2009 (ZENIT.org) - “Para Bernardo, o verdadeiro conhecimento de Deus consiste na experiência pessoal, profunda, de Jesus Cristo e do seu amor. E isso, queridos irmãos e irmãs, vale para todo cristão”, afirmou hoje o Papa Bento XVI.

O Pontífice dedicou a catequese de hoje, dentro do ciclo de escritores cristãos do primeiro milênio, a São Bernardo de Claraval (1090-1153), Abade cisterciense conhecido como “Doutor melífluo”, pela doçura com que falava de Jesus Cristo.

Este santo escritor foi uma importante figura da Europa medieval, que manteve contato com importantes personalidades do seu tempo e que é reconhecido como “último Padre da Igreja”.

O Papa sublinhou que, mais que ter aberto novos caminhos na teologia, São Bernardo “configura o teólogo com o contemplativo e o místico”, em uma época de duras disputas entre duas importantes correntes teológicas, o nominalismo e o realismo.

“Só Jesus – insiste Bernardo, frente às complexas reflexões dialéticas do seu tempo – é ‘mel na boca, cântico no ouvido, júbilo no coração’”, explicou o Papa.

“O Abade de Claraval não se cansa de repetir que só há um nome que conta, o de Jesus Nazareno”, acrescentou.

Seu exemplo recorda hoje que “a fé é um encontro pessoal e íntimo com Jesus; é fazer a experiência da sua proximidade, da sua amizade, do seu amor, e somente assim se aprende a conhecê-lo cada vez mais, a amá-lo e segui-lo cada vez mais”.

“Que isso possa acontecer com cada um de nós!”, desejou o Papa.

As reflexões deste santo abade “provocam ainda hoje, de forma saudável, não somente os teólogos, mas todos os crentes”, que, às vezes, pretendem “resolver as questões fundamentais sobre Deus, sobre o homem e sobre o mundo com as únicas forças da razão”.

“São Bernardo, ao contrário, solidamente fundado na Bíblia e nos Padres da Igreja, recorda-nos que sem uma profunda fé em Deus, alimentada pela oração e pela contemplação, por uma relação íntima com o Senhor, nossas reflexões sobre os mistérios divinos correm o risco de serem um vão exercício intelectual e perdem sua credibilidade”.

“No final, a figura mais verdadeira do teólogo continua sendo a do apóstolo João, que apoiou sua cabeça no coração do Mestre”, sublinhou o Papa.

Enamorado de Nossa Senhora

Outro dos pontos sobressalentes do pensamento de São Bernardo é sua veneração a Nossa Senhora, sobre quem ele escreveu importantes sermões e orações. Sobretudo, ele se centrou na importância de Maria ao ter acompanhado seu Filho na Paixão.

“Bernardo não hesita: ‘per Mariam ad Iesum’: através de Maria somos conduzidos a Jesus”, afirmou o Papa.

Em seus escritos, o santo “confirma com clareza a subordinação de Maria a Jesus, segundo os fundamentos da mariologia tradicional”, mas “documenta também o lugar privilegiado da Virgem na economia da salvação”.

Bento XVI concluiu sua catequese citando uma belíssima homilia do santo: “Nos perigos, nas angústias, nas dúvidas, pensa em Maria, invoca Maria. Que seu nome nunca se afaste de teus lábios, jamais abandone teu coração; e para alcançar o socorro da intercessão dela, não negligencies os exemplos de sua vida”.

“Seguindo-a, não te transviarás; rezando a Ela, não desesperarás; pensando nela, evitarás todo erro. Se Ela te sustenta, não cairás; se Ela te protege, nada terás a temer; se Ela te conduz, não te cansarás; se Ela te é favorável, alcançarás o fim”.


Papa Bento XVI
Audiência Geral de 21 de outubro de 2009


Se eu não tiver a caridade, nada sou. Dilatai-vos no amor.



Se eu não tiver a caridade, nada sou. Dilatai-vos no amor.

Eu e o Pai, diz o Filho, viremos a ele, isto é, ao homem santo, e faremos nele a nossa morada (Jo 14, 23). A ele, isto é, ao homem santo. Penso que também o Profeta não falou de outro céu quando disse: Vós habitais na morada santa, ó louvor de Israel (cf. Sl 21, 4: Vulgata). E o Apóstolo afirma claramente: Cristo habita em vossos corações, pela fé (Ef 3, 17).

Não é de admirar que o Senhor Jesus tenha prazer em habitar nesse céu. Para criá-lo, Ele não disse simplesmente: “Faça-se”, como às demais criaturas. Mas lutou para conquistá-lo, morreu para redimi-lo. Por isso, depois de ter sofrido, afirmou com mais ardor: Eis o lugar do meu repouso para sempre, eu fico aqui: este é o lugar que preferi (Sl 131 [132], 14). Feliz da alma à qual se diz: Vem, minha amada; colocarei em ti o meu trono (cf. Ct 2, 10.13: Vulgata).

Por que, agora, te entristeces, ó minh’alma, e gemes no meu peito? (Sl 41 [42], 6). Pensas que também em ti não poderás encontrar um lugar para o Senhor? E que lugar em nós será digno de sua glória e suficiente para sua majestade? Quem me dera merecesse pelo menos adorá-lo no lugar em que colocou seus pés! Quem me dera pudesse ao menos agarrar-me no mínimo às pegadas de alguma alma santa que Ele escolheu por sua herança (Sl 32 [33], 12)! Oxalá Ele se digne infundir em minha alma o óleo de sua misericórdia, de modo que também eu possa dizer: De vossos mandamentos corro a estrada, porque vós me dilatais o coração (Sl 118 [119], 32). Então poderei, talvez, também eu, mostrar em mim mesmo, se não um grande cenáculo preparado, em que Ele possa sentar-se à mesa com seus discípulos, pelo menos um lugar onde possa reclinar a cabeça.

Depois é necessário que a alma cresça e se dilate, para ser capaz de Deus. Ora, sua medida é seu amor, como diz o Apóstolo: Dilatai-vos no amor (cf. 2Cor 6, 13). De fato, embora a alma, sendo espírito, não ocupe uma extensão corporal, contudo a graça lhe concede o que lhe foi negado pela natureza. Cresce e se estende, mas espiritualmente. Cresce e aumenta, até chegar ao estado de adulto, até chegar à estatura de Cristo em sua plenitude (Ef 4, 13). Cresce até se tornar um templo santo no Senhor (Ef 2, 21).

Calcule-se, pois, a grandeza de cada alma pela medida de sua caridade: a que tem muita é grande, a que tem pouca é pequena, a que não tem nenhuma é nada, como diz São Paulo: Se eu não tiver caridade, nada sou (1Cor 13, 2).


São Bernardo de Clairvaux, Abade
Sermo 27, 8-10 in Cantica Canticorum
(Editiones Cistercienses 1, 187-189)
(Dos Sermões sobre o Cântico dos Cânticos)


quinta-feira, 20 de agosto de 2009

SÃO BERNARDO DE CLARAVAL - Amo porque amo!



20 de agosto

Solenidade no Calendário Litúrgico Cisterciense

Hoje é memória litúrgica do grande Bernardo de Claraval, Abade cisterciense, Doutor da Igreja. Apaixonado pelo Cristo, devotíssimo da Virgem Maria, filho fidelíssimo da Igreja, mestre nas Sagradas Escrituras, monge exemplar! Bernardo é conhecido como Doutor Melífluo, pois seu coração e suas palavras são doces como o mel. O seu Comentário ao Cântico dos Cânticos, é puro mel... Mel que vem da doçura do coração de Deus!

D.Henrique Soares da Costa


“O amor basta-se a si mesmo, em si e por sua causa encontra satisfação. É seu mérito, seu próprio prêmio. Além de si mesmo, o amor não exige motivo nem fruto. Seu fruto é o próprio ato de amar. Amo porque amo, amo para amar!

Grande coisa é o amor, contanto que vá a seu Princípio, volte à sua Origem, mergulhe em sua Fonte, sempre beba donde corre sem cassar.

De todos os movimentos da alma, sentidos e afeições, o amor é o único com que pode a criatura, embora não condignamente, responder ao Criador e, por sua vez, dar-lhe outro tanto. Pois quando Deus ama não quer outra coisa senão ser amado, já que ama para ser amado; porque sabe que serão felizes pelo amor aqueles que o amarem.

O amor do Esposo, ou melhor, o Esposo-amor somente procura a resposta do amor e a fidelidade. Seja permitido à amada responder ao Amor! Por que a esposa - e esposa do Amor – não deveria amar? Por que não seria amado o Amor?

É justo que, renunciando a todos os outros sentimentos, única e totalmente se entregue ao amor, aquela que há de corresponder a ele, pagando amor com amor. Pois mesmo que se esgote toda no amor, que é isto diante da perene corrente do amor do outro?

Certamente não corre com igual abundância o caudal do amante e do Amor, da alma e do Verbo, da esposa e do Esposo, do Criador e da criatura; há entre eles mesma diferença que entre o sedento e a fonte.

E então? Desaparecerá por isto e se esvaziará de todo a promessa da desposada, o desejo que suspira, o ardor da que a ama, a confiança da que ousa, já que não pode de igual para igual correr com o gigante, rivalizar a doçura com o mel, a brandura com o cordeiro, a alvura com o lírio, a claridade com o sol, a caridade com aquele que é a caridade?

Não. Mesmo amando menos, por ser menor, se a criatura amar com tudo o que é, haverá de dar tudo. Por esta razão, amar assim é unir-se em matrimônio, porque não pode amar deste modo e ser menos amada, de sorte que no consenso dos dois haja íntegro e perfeito casamento. A não ser que alguém duvide ser amado primeiro e muito mais pelo Verbo”.


São Bernardo de Claraval, Abade e Doutor

Sermo 83, 4-6 in Opera Omnia

(Editiones Cistercienses 2, 300-302)