Mostrando postagens com marcador Tríduo Pascal 2009. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Tríduo Pascal 2009. Mostrar todas as postagens

sexta-feira, 10 de abril de 2009

TRÍDUO PASCAL – SEXTA-FEIRA SANTA E SÁBADO SANTO


Tríduo Pascal - Sábado Santo - A Angústia de uma Ausência -
Oração do Sábado Santo



”No breviário romano, a liturgia do sagrado Tríduo Pascal é estruturada com um cuidado particular; a Igreja, na sua oração, quer, por assim dizer, transferir-nos para a realidade da paixão do Senhor e, indo além das palavras, para o centro espiritual do que aconteceu. Se quiséssemos delinear brevemente a oração litúrgica do Sábado Santo, seria preciso falar sobretudo do efeito de paz profunda que dela emana. Cristo penetrou no ocultamento (Verborgenheit), mas ao mesmo tempo, justamente no coração da escuridão impenetrável, ele penetrou na segurança (Geborgenheit), ou melhor, ele se tornou a segurança última. Agora se tornou verdadeira a palavra ousada do salmista: mesmo que eu quisesse me esconder no inferno, tu lá estarias também. E quanto mais percorremos essa liturgia, mais percebemos brilhar nela, como uma aurora da manhã, as primeiras luzes da Páscoa. Se a Sexta-feira Santa põe diante dos nossos olhos a figura desfigurada do transpassado, a liturgia do Sábado Santo se refere muito mais à imagem da cruz que era cara à Igreja antiga: a cruz cercada por raios luminosos, sinal, a um só tempo, da morte e da ressurreição.


O Sábado Santo nos remete, assim, a um aspecto da piedade cristã que talvez tenha-se perdido ao longo do tempo. Quando, na oração, olhamos para a cruz, vemos muitas vezes nela apenas um sinal da paixão histórica do Senhor no Gólgota. A origem da devoção à cruz, porém, é diferente: os cristãos rezavam voltados para o Oriente para exprimir sua esperança de que Cristo, o sol verdadeiro, surgiria na história, para expressar, portanto, sua fé no retorno do Senhor. A cruz está, num primeiro momento, estreitamente ligada a essa orientação da oração; ela é representada, por assim dizer, como uma insígnia que o rei hasteará em sua vinda; na imagem da cruz, a ponta avançada do cortejo já chegou até o meio daqueles que rezam. Para o cristão antigo, a cruz é portanto sobretudo sinal da esperança. Ela não implica tanto uma referência ao Senhor passado, mas ao Senhor que está para vir. Certamente, era impossível esquivar-se da necessidade intrínseca de que, com o passar do tempo, o olhar se dirigisse também para o evento que havia ocorrido: contra qualquer fuga para o espiritual, contra qualquer deturpação da encarnação de Deus, era preciso que se defendesse a prodigalidade inimaginável do amor de Deus, que, por amor à mísera criatura humana, tornou-se ele mesmo um homem, e que homem! Era preciso defender a santa estultice do amor de Deus, que não escolheu pronunciar uma palavra de força, mas percorrer o caminho da impotência, para pôr o nosso sonho de poder na berlinda e vencê-lo a partir de dentro.

Mas, dessa forma, acaso não esquecemos um pouco demais da conexão entre cruz e esperança, da unidade entre o Oriente e a direção da cruz, entre passado e futuro que existe no cristianismo? O espírito da esperança que emana das orações do Sábado Santo deveria penetrar novamente todo o nosso ser cristãos. O cristianismo não é apenas uma religião do passado, mas, em não menor medida, também do futuro; sua fé é também ao mesmo tempo esperança, já que Cristo não é apenas o morto e o ressuscitado, mas também aquele que está por vir.


Ó Senhor, ilumina as nossas almas com este mistério da esperança, para que reconheçamos a luz que irradiou da tua cruz; concede-nos que como cristãos caminhemos voltados para o futuro, ao encontro do dia da tua vinda. Amém.

ORAÇÃO

Senhor Jesus Cristo, na escuridão da morte fizeste luz; no abismo da solidão mais profunda habita agora para sempre a proteção poderosa de Teu amor; em meio ao Teu ocultamento, podemos já cantar o aleluia dos salvos. Concede-nos a humilde simplicidade da fé, que não se deixa desviar quando Tu nos chamas nas horas da escuridão, do abandono, quando tudo parece problemático; concede-nos, neste tempo no qual se combate uma luta mortal ao teu redor, luz suficiente para não te perder; luz suficiente para que possamos dá-la a todos aqueles que precisam ainda mais dela. Faz brilhar o mistério da Tua alegria pascal, como aurora da manhã, nos nossos dias; concede-nos que possamos realmente ser homens pascais em meio ao Sábado Santo da história. Concede-nos que por meio dos dias luminosos e obscuros deste tempo possamos sempre com espírito jubiloso nos encontrar em caminho, rumo à Tua glória futura. Amém”.

Cardeal Joseph Ratzinger
“A Angústia de uma Ausência: Três Meditações Sobre o Sábado Santo”

Tríduo Pascal - Sábado Santo - O amor manifestado na cruz



“Aquele que por nós tornou-se semelhante a nós, dizia a Deus, seu Pai: ‘Não a minha, mas a tua vontade’ (Lc 22,42), querendo Ele, que era Deus por natureza, realizar como homem a vontade do Pai.

Se Ele se entregou livremente à Paixão e à morte, como se fosse culpado, fazendo-se responsável por nós, os que verdadeiramente merecíamos sofrer até a morte, é claro que Ele no amou mais que a si mesmo! É óbvio que escolheu, enquanto mais que bom, os ultrajes no momento requerido pela economia da nossa salvação; preferiu-os às honras devidas à sua própria glória, segundo a sua natureza divina.

A pérfida serpente destilou o seu veneno mediante a desobediência dos primeiros criados, nossos primeiros pais, e eles morreram por causa do pecado. Então, o nosso Senhor e Deus, por seu amor para conosco, foi elevado sobre a preciosa cruz. Tendo o lado traspassado, dá-nos a vida eterna, através da nuvem do Espírito Santo.

Quem conhece o mistério da cruz e do sepulcro, conhece também as razões essenciais de todas as coisas criadas”.

Dos Escritos de São Máximo, o Confessor,
Abade do século VII



“Atenção para a afirmação profundíssima: quem conhece o mistério da cruz do Senhor, isto é, quem compreendeu que a cruz é o modo como Deus age no mundo, é o próprio critério de Deus, passa a ter uma compreensão profunda de todas as coisas, pois passa a compreender tudo com a lógica de Deus, que subverte toda lógica humana”.

D.Henrique Soares da Costa
Bispo Titular de Acufida e Auxiliar de Aracaju

Tríduo Pascal - Sábado Santo - Eia Mater, Fons Amoris: Stabat Mater Dolorosa



A Virgem das Dores é o Tabernáculo dos Sagrados Mistérios, a Porta do Coração chagado de Cristo, a Mestra do silêncio, a Mãe da nossa alegria. No Sábado Santo, quando a Igreja permanece unida à Virgem na espera da Ressurreição, os filhos devem estar imersos no silêncio da Mãe, devem estar a seu lado com o amoroso propósito de consolar Mãe tão terna e excelsa.

“Stabat Mater” - Caminho de união à Virgem das Dores na Paixão

O belíssimo “Stabat Mater”, do latim “Estava a Mãe”, é um hino, mais precisamente uma seqüência, católica do século XIII atribuído a Jacopone de Todi, apesar da questão ser controversa. Tal oração, que tem início com as palavras “Stabat Mater dolorosa” - “Estava a Mãe dolorosa” - medita sobre os sofrimentos de Maria, Mãe de Jesus, durante a Crucifixão e a Paixão de Cristo. A oração é recitada de maneira facultativa durante a Missa em memória de Nossa Senhora das Dores (15 de setembro) e as suas partes formam os hinos latinos da própria festa. Antes da Reforma litúrgica, era utilizada no ofício da Sexta-feira da semana da Paixão (Nossa Senhora das setes dores - sexta-feira precedente ao Domingo de Ramos). É um Hino muito popular, sobretudo, porque acompanha o rito da Via-Sacra, uma estrofe para cada estação, e a procissão da Sexta-feira Santa, sendo um canto muito amado pelos fiéis, assim como por inteiras gerações de músicos. O Stabat Mater, é um forte remédio para todos que, com uma disposição mais plena de fé, se aproximam da Paixão de Cristo a fim de consolar a Mãe cheia de dores em sua solidão, a Mãe, Fonte de amor.


"Estava a Mãe dolorosa
Junto da Cruz, lacrimosa
Vendo o Filho que pendia.

A sua alma agoniada
Se partia atravessada
No gládio da profecia.

Oh! Quão triste e aflita
Estava a Virgem bendita,
A Mãe do Filho Unigênito.

Quanta angústia não sentia
Mãe piedosa, quando via
As penas do Filho seu.

Quem não chora, vendo isto,
Contemplando a Mãe do Cristo
Num suplício tão enorme?

Quem haverá que resista,
Se a Mãe assim contrista,
Padecendo com seu Filho?

Por culpa de sua gente,
Viu a Jesus inocente
Aos flagelos submisso.

Viu seu Filho muito amado
Que morria abandonado,
Entregando o seu espírito.

Faze, ó Mãe, fonte de amor,
Que eu sinta a força da dor,
Para contigo chorar.

Faze arder meu coração,
Do Cristo Deus na paixão,
Para que o possa agradar.



Ó Santa Mãe, dá-me isto:
Trazer as chagas do Cristo
Gravadas no coração.

Do teu Filho, que por mim
Se entrega a uma morte assim,
Divide as penas comigo.

Oh! Dá-me, enquanto viver,
Com o Cristo compadecer,
Chorando sempre contigo.

Junto da Cruz quero estar,
Para assim me associar
Ao martírio do teu pranto.

Virgem das virgens, preclara,
Jamais me sejas avara,
Dá-me contigo chorar.

Traga em mim do Cristo a morte,
Da Paixão seja eu consorte,
Suas chagas celebrando.

Por elas seja eu rasgado,
Pela Cruz inebriado,
No sangue do Filho nutrido.

No Juízo, ó Virgem, consegue
Às chamas não ser entregue
Quem por ti é defendido.

Quando do mundo eu partir,
Dá-me, ó Cristo, conseguir,
Por tua Mãe, a vitória.

Quando o meu corpo morrer,
Possa a alma merecer
Do Reino celeste a glória.

Amém".

Tríduo Pascal - Sábado Santo - Eu creio! Mas ajuda a minha pouca fé!


«Eu creio! Mas ajuda a minha pouca fé!» cf. Mc 9, 14-29

“Expulsa a dúvida da tua alma, nunca hesites em dirigir a Deus a tua oração, dizendo: «Como posso eu rezar, como posso ser escutado, depois de ter ofendido a Deus tantas vezes?» Não raciocines dessa maneira; volta-te de todo o coração para o Senhor, e reza-lhe com total confiança. Conhecerás então a extensão da sua misericórdia; verás que, longe de te abandonar, Ele cumulará os desejos do teu coração. Porque Deus não é como os homens, que nunca se esquecem do mal; n’Ele não há ressentimentos, mas uma terna compaixão para com as suas criaturas. Assim, pois, purifica o teu coração de todas as vaidades do mundo, do mal e do pecado, e reza ao Senhor. Tudo obterás, se rezares com total confiança.

Se, porém, a dúvida tomar o teu coração, as tuas súplicas não serão ouvidas. Aqueles que duvidam de Deus são almas dúplices; nada obtêm daquilo que pedem. Quem duvida, a menos que se converta, dificilmente será ouvido e salvo. Assim, pois, purifica a tua alma da dúvida, reveste-te da fé, porque a fé é poderosa, e crê firmemente que Deus escutará todas as tuas súplicas. E, se Ele tardar um pouco a ouvir a tua oração, não te deixes arrastar pela dúvida por não teres obtido imediatamente aquilo que pedes; esse atraso destina-se a fazer-te crescer na fé. Não cesses, pois, de pedir aquilo que desejas. Não te permitas duvidar, pois a dúvida é perniciosa e insensata, roubando a fé a muitos, incluindo os mais firmes. A fé é forte e poderosa; tudo promete e tudo obtém; a dúvida, que é falta de confiança, tudo mina”.

Hermas,
"O Pastor"

Tríduo Pascal - Sábado Santo - Um Deus tão grande, que sofre por amor!



“O Filho de Deus desceu à terra por compaixão pelo gênero humano. Sim, padeceu os nossos sofrimentos ainda antes de ter sofrido na cruz, antes mesmo de ter tomado a nossa carne. Se não tivesse sofrido, não teria vindo dividir conosco a vida humana. Primeiro Ele padeceu, depois desceu.

Mas, que paixão é esta que Ele sofreu por nós? É a paixão do amor. E o próprio Pai, o Deus do universo, lento para a ira e grande no amor, será que não sofre, também Ele, de algum modo? Ou será que tu ignoras que quando se ocupa das coisas humanas, Ele sofre uma paixão humana? Ele sofre uma paixão de amor!

Com efeito, no deserto, o Senhor teu Deus te levou, como um homem leva o próprio filho. Como o Filho de Deus levou os nossos sofrimentos, assim Deus nos leva no nosso caminho.

Nem mesmo o Pai é impassível. Quando lhe suplicamos, Ele tem piedade e se compadece, experimenta algo da paixão de amor, experimenta ‘ternuras’ que a soberana majestade pareceria não lhe permitir”.

Orígenes, Presbítero
Das Homilias sobre Ezequiel

Tríduo Pascal - Sábado Santo – O amor de Cristo foi mais poderoso na morte


«Tanto amou Deus o mundo, que lhe entregou o seu Filho Unigénito» (Jo 3,16).

“Este Filho único «foi oferecido», não porque os seus inimigos tenham prevalecido, mas porque assim «aprouve ao Senhor» (Is 53, 10-11). «Ele, que amara os seus que estavam no mundo, levou o seu amor por eles até ao extremo» (Jo 13,1). O fim, é a morte aceite por aqueles que Ele ama; eis o fim de toda a perfeição, o fim do amor perfeito, porque «ninguém tem mais amor do que quem dá a vida pelos seus amigos» (Jo 15,13).

Este amor de Cristo foi mais poderoso na morte de Cristo do que o ódio dos seus inimigos; o ódio apenas pôde fazer o que o amor lhe permitia. Judas, ou os inimigos de Cristo, entregaram-no à morte, devido a um terrível ódio. O Pai entregou o seu Filho, e o Filho entregou-se a si mesmo por amor (Rm 8,32; Ga 2,20). O amor não é porém culpado de traição; é inocente, mesmo quando Cristo morre por amor. Porque só o amor pode impunemente fazer o que lhe apraz. Só o amor pode forçar a Deus e, como Ele, guiar-nos. Foi o amor que o fez descer dos céus e o pôs na cruz, que fez jorrar o sangue de Cristo pela remissão dos pecados, num ato tão inocente quanto salutar. Qualquer ação de graças pela salvação do mundo é devida ao amor, portanto. E o amor incita-nos, a amar a Cristo”.

Balduíno de Ford, Abade Cisterciense
O Sacramento do altar, II, 1

Tríduo Pascal - Sexta-feira Santa - Eis o teu Rei, ó cristão!



“Eis o teu Rei (Zc 9,9), acerca do qual Jeremias nos fala nos seguintes termos: Ninguém há semelhante a Vós, Senhor! Vós sois grande! Grande e poderoso é o Vosso nome. Quem Vos não temerá, Rei dos povos?” (Jr 10,6-7).

“Deste Rei diz-nos o Apocalipse: ‘Sobre o seu manto e sobre a sua coxa, um nome está escrito: Rei dos reis e Senhor dos senhores’ (Ap 19,16). O seu manto são as faixas; a sua coxa é a carne. Em Nazaré, onde tomou carne, foi coroado como que com um diadema; em Belém, foi envolvido em faixas como que de púrpura real. Tais foram as primeiras insígnias da sua realeza. E foi contra estas insígnias que se encarniçaram os seus inimigos, para assinalar a vontade que tinham de lhe retirar a realeza; no decurso da Paixão, despojaram-no das suas vestes, a sua carne foi trespassada com pregos. Ou melhor, foi nessa altura que lhe foi dado o complemento das suas insígnias reais: já tinha a coroa e a púrpura, recebeu o cetro quando, ‘carregando às costas a cruz, saiu para o lugar chamado Crânio’ (Jo 19,17). Então, nas palavras de Isaías, teve ‘a soberania sobre os seus ombros’ (9,5); e diz a Carta aos Hebreus: ‘Vemos, porém, coroado de honra e glória aquele Jesus que por um pouco tempo foi feito inferior aos anjos, em virtude de ter padecido a morte’ (Hb 2,9).



Eis, pois, o teu rei, que vem a ti, para te dar a felicidade. Vem na mansidão, para se fazer amar, e não no poder, para se fazer temer. Vem sentado num burrinho. As virtudes próprias dos reis são a justiça e a bondade. Assim, o teu Rei é justo: ‘Retribuirá a cada um conforme o seu procedimento’ (Mt 16,27). É manso; é ‘o teu Redentor’ (Is 54,5). E também é pobre; como diz o Apóstolo Paulo, ‘despojou-se a si mesmo, tomando a condição de servo’ (Fl 2,7).

No paraíso terrestre, Adão recusou-se a servir o Senhor; então, o Senhor tomou a forma de escravo, fez-se servo do escravo, a fim de que o escravo já não corasse por servir o Senhor. Fez-se igual aos homens; ‘tornando-se semelhante aos homens’ (Fl 2,7). É pobre, Ele que ‘não tem onde reclinar a cabeça’ (Mt 8,20), até ao momento em que, ‘inclinando a cabeça’ na cruz, ‘entregou o espírito’ (Jo, 19,30)”.

Dos Sermões de Santo Antônio de Pádua, Doutor da Igreja

Tríduo Pascal - Sexta-feira Santa - Jesus Cristo se entregou por inteiro às dores e à morte



“Tudo é perfeito no sacrifício de Jesus: o amor que o inspira e a liberdade com que o executa. Perfeito também no dom oferecido: Jesus Cristo se oferece a si mesmo.

Jesus Cristo se oferece a si mesmo e de maneira total: alma e corpo ficam esgotados, quebrantados, de tanta dor. Não existe dor desconhecida por Nosso Senhor. Ao ler o Evangelho com atenção, vê-se que os sofrimentos de Jesus Cristo de tal modo foram dispostos que alcançaram todos os membros de seu sagrado corpo, e que todas as fibras de seu coração ficaram esgarçadas na ingratidão das turbas, no desamparo dos seus e nas dores de sua Santíssima Mãe, e que sua alma bendita sofreu tantas afrontas e humilhações quantas podem pesar sobre um homem. Cumpriu-se literalmente em Jesus Cristo aquele vaticínio da profecia de Isaías: 'Como pasmaram muitos à vista de ti; não tinha aparência do que era...ele não tinha beleza, nem formosura...por isso não fizemos caso dele...nós o reputamos como um leproso'.

Após sofrer a indizível agonia do Horto das Oliveiras começa para Nosso Senhor a série de humilhações e padecimentos que mal podemos descrever. Denunciado no beijo de um dos discípulos, preso pela soldadesca como um facínora, levam-no à casa do sumo sacerdote. Ali, entre as muitas acusações falsas proferidas contra Ele, Jesus 'calava-se'. Só abre a boca para proclamar que é o Filho de Deus: 'Vós o dizeis, Eu o sou'. Esta é a mais solende das confissões sobre a divindade de Jesus Cristo: Jesus, Rei dos mártires, morre por confessar sua divindade, e todos os mártires darão a vida pela mesma causa.

Pedro, cabeça dos apóstolos, seguira ao longe seu Divino Mestre; prometera-lhe não o abandonar jamais. Pobre Pedro! Negou Jesus três vezes. Sem dúvidas, esta foi uma das maiores provações por que passou nosso Divino Salvador naquela espantosa noite.


Os soldados que vigiam Jesus o injuriam e o maltratam, e não resistindo àquele olhar tão doce, vendam-lhe os olhos por escárnio, dão-lhe insolentes bofetadas e ainda se atrevem a sujar de modo vil com sua imunda saliva o rosto adorável, espelho em que se contemplam a si os anjos, com deleite indizível.

Depois disso, narra-nos o Evangelho como à alvorada reconduziram Jesus ante o sumo sacerdote, arrastando-o de tribunal em tribunal. E ainda que fosse a Sabedoria Eterna, Herodes o trata como louco, Pilatos dá ordens de açoitá-lo, os algozes golpeiam sem piedade a inocente vítima, cujo corpo se converte rapidamente em chaga viva. Apesar de tudo, a desumana flagelação não bastava àqueles homens, que de humano nada tinham: cravam na cabeça de Jesus uma coroa de espinhos e o enchem de insultos e zombarias.


O covarde governador romano percebe que saciará o ódio dos judeus, caso vissem Cristo em tão lastimoso estado; apresenta-o às turbas e lhes diz: 'Eis aqui o homem!', 'Ecce Homo!'. Contemplemos neste momento o Divino Mestre em meio a um oceano de afrontas e dores, e pensemos também que o Pai no-lo apresenta e nos diz: 'Vede o meu Filho, o resplendor de minha glória, a quem feri pelo crime de meu povo...'.

Jesus ouve a gritaria do populacho furioso, que o troca por um bandido, e como paga de tantos benefícios feitos, exigem sua morte: 'Crucifica-o, crucifica-o!'. Pronunciada a sentença de morte, Jesus Cristo, tomando a pesada cruz sobre os ombros, dirige-se ao Calvário.

Quantas dores ainda o aguardam: a presença de sua Mãe, a quem professa tão perfeito amor e cuja imensa aflição ele conhece melhor que ninguém, o despojo dos vestidos, a perfuração dos pés e das mãos, e a sede abrasadora! Mais ainda, as burlas e sarcasmos de ódio de seus mortais inimigos: 'Ó tu, que destróis o templo de Deus, e reedificas em três dias, salva-te a ti mesmo e creremos em ti...Ele salvou outros, a si mesmo não se pode salvar'. Finalmente, o abandono de seu Pai, a cuja santa vontade sempre atendera: 'Pai! Porque me abandonaste?'.


Verdadeiramente bebeu o calix até o sarro, e cumpriu, sem faltar vírgula nem detalhe algum, tudo quanto Dele estava vaticinado. Por isso, realizadas as profecias, esgotando até o fundo o calix de todas as dores e humilhações, pôde exalar seu 'Tudo está consumado'. Sim, em verdade, 'tudo se consumou', só falta pôr sua alma nas mãos do Pai: 'E, inclinando a cabeça, rendeu o espírito'.

A Igreja, ao ler-nos nos dias da Semana Santa o relato da Paixão, interrompe-o neste passo para adorar a Deus em silêncio. Seguindo seu exemplo, prosternemo-nos reverentes e adoremos ao Crucificado que acaba de expirar; verdadeiramente é Filho de Deus: verdadeiro Deus de Deus verdadeiro. Sobretudo, na Sexta-feira Santa, tomemos parte na adoração solene da Cruz, para reparar, conforme quer a Igreja, as inúmeras ofensas que os inimigos infligiram à Divina Vítima. Enquanto se realiza a comovente cerimônia, põe a Igreja na boca do Salvador inocente censuras em tom de lamento triste; elas se aplicam diretamente ao povo deicida; nós podemos escutá-los em um sentido inteiramente espiritual que despertarão em nossas almas vivos sentimentos de compunção: 'Povo meu, que te fiz eu? Em que te contristei? Responde-me! Que mais podia eu fazer que o não fizesse? Fui eu quem te plantou como a mais formosa das videiras; e tu só me causaste amargor, minha sede mitigaste com vinagre, e com uma lança trespassaste o lado do teu Salvador... Eu, por amor de ti, flagelei o Egito com os seus primogênitos; e tu entregaste-me à morte depois de me flagelares! Eu tirei-te do Egito, submergi a Faraó no Mar Vermelho; e tu entregaste-me aos príncipes dos sacerdotes! Eu a tua frente abri o mar; e tu abriste-me com a lança o coração! Eu fui adiante de ti numa coluna de nuvem; e tu conduziste-me ao pretório de Pilatos! Eu alimentei-te com o maná no deserto: e tu feriste-me a cabeça com bofetadas e açoites!... Eu dei-te o cetro real; e tu colocaste-me na cabeça uma coroa de espinhos! Eu elevei-te em grandeza e poder; e tu suspendeste-me no patíbulo da cruz!'.


Estas queixas de um Deus padecendo pelos homens devem mover nossos corações; unamo-nos a tal obediência cheia de amor que o levou até o sacrifício da cruz: 'Feito obediente até a morte, e morte de cruz'. Digamos-lhe: 'Ó Divino Redentor, que tanto sofreste por nosso amor! De hoje em diante vos prometemos fazer o que pudermos para não mais pecar; fazei, por vossa graça, que, morrendo, ó Mestre adorado, a tudo que é pecado e apego ao pecado e à criatura, vivamos unicamente para Vós'.

Porque, como diz São Paulo: o amor de Cristo nos constrange; consideramos nós que, se um morreu por todos, todos, pois, morreram; e que Cristo morreu por todos a fim de que os que vivem, não vivam mais para si mesmos, mas para aquele que morreu e ressuscitou por eles”.

Beato Columba Marmión
“Jesus Cristo em seus mistérios”

Tríduo Pascal - Sexta-feira Santa - O Pão que Eu darei é a minha carne



“E o pão que eu darei é a minha carne que entrego pela vida do mundo”.

“Morro por todos para vivificar a todos por mim mesmo; fiz da minha carne resgate da carne de todos. A morte morrerá na minha morte, reerguendo-se comigo a natureza do homem que estava prostrada. Para isso me conformei a vós, fiz-me homem, filho de Abraão, para em tudo me assemelhar aos irmãos (cf. Rm 8,29).

Compreendendo o que Cristo nos dissera, São Paulo nos diz por sua vez: ‘Assim como as crianças participam do sangue e da carne, também Ele, a fim de quebrar com a sua morte o poder daquele que tem o império da morte, isto é, o diabo’ (Hb 2,14). Não haveria outro meio de derrubar aquele que tem o império da morte, e a própria morte, se o Cristo não se entregasse por nós; um para resgate de muitos, e um que estava acima de todos. Por causa disto no Salmo Ele se oferece por nós a Deus Pai, qual hóstia imaculada, dizendo: ‘Não quiseste sacrifício nem oblação, mas me formaste um corpo. Holocaustos e vítimas expiatórias não te agradaram; disse então: eis que venho. No cabeçalho do livro está escrito de mim, decidi cumprir a tua vontade, ó meu Deus’ (Sl 39, 7-9). Como o sangue de touro e de bodes ou as cinzas de novilhas não bastassem para expiar os pecados, nem a imolação de animais pudesse arruinar o poder da morte, o próprio Cristo se propõe sofrer os castigos por todos. ‘Em suas chagas fomos salvos’ (Is 53,5), diz o profeta, ‘Ele levou nossos pecados sobre seu próprio corpo até a cruz’ (1Pd 2,24). Foi crucificado por todos e por causa de todos, para que, morrendo um sobre a cruz, todos vivessem nele. A morte não podia dominar, nem a corrupção prevalecer, sobre aquele que era por natureza a Vida.


Vejamos nas palavras do próprio Cristo como Ele ofereceu sua carne pela vida do mundo: ‘Pai santo, guarda-os” (Jo 17,11); e ainda: ‘Eu me santifico por eles’ (Jo 17,19). Ele diz que se santifica, não mediante uma purificação da alma ou do espírito, tal como nos devemos santificar; nem por uma simples participação no Espírito Santo, pois nele o Espírito estava por natureza, Ele era, é, e será sempre, Santo. Diz porém que se ‘santifica’ significando que se consagra e se oferece como hóstia santa em santo odor de suavidade. Santificava-se ou, conforme a lei, era chamado santo tudo que se oferecia sobre o altar. Por conseguinte, o Cristo deu seu próprio corpo pela vida de todos, e fez, por Ele, habitar de novo a vida em nós. Desde que o Verbo vivificante de Deus habitou a carne, transformou-a em seu próprio bem, isto é, em vida, e, inteiramente unido a ela em inefável união, tornou-a vivificante assim como Ele o é por natureza. O corpo de Cristo vivifica os que dele participam, pois expele a morte quando está nos mortais, já que em si tem a causa extintora de toda corrupção”.

São Cirilo de Alexandria
Comentário a Jo 6,52

Tríduo Pascal - Sexta-feira Santa - A missão de Cristo na Cruz



“A cruz salvou e transformou o mundo, expulsou o erro, introduziu a verdade, tornou a terra em céu e os homens como anjos”.

São João Crisóstomo, Bispo e Doutor da Igreja

“Somente o sangue imaculado de Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo derramado na dolorosa cruz do Calvário tem o poder de purificar todo o pecado na alma do mais vil pecador. Esse é único sacrifício do qual a humanidade depende para salvação.

A missão de Cristo na cruz é o único meio que faz transportar a pessoa do erro para verdade, das trevas para luz, do pecado para o perdão e santificação, da maldição para benção, da perdição para salvação, do inferno para o céu. O escândalo da Cruz de Cristo, além de ser a derrota radical do mal, foi obra única da nossa eterna e bendita salvação realizada pela Santíssima Trindade; escândalo ainda para muitos, incompreensível e não aceito.

A cruz é contraditória e paradoxal para a mente racional, no entanto, nela centraliza-se toda a justiça e a radicalidade do amor de Deus para remissão do gênero humano. É ao pé da Cruz do Redentor que todos precisam se ajoelhar para contemplar seu estado de pecador e ao mesmo tempo de perdoado e regenerado pelo sangue do Cordeiro Imaculado, para depois contemplar as mansões celestiais. Foi no Calvário que se abriu no coração de Jesus Cristo a nossa morada eterna. O nosso lar celestial no coração de Jesus nasceu no Calvário e graças à misericórdia do amor do Bom Deus.


O ser humano só é feliz em verdade na vivência dessa verdade da cruz de Cristo que liberta de todo engano e de toda ilusão desse mundo passageiro. A convicção desse fato faz com que se viva com segurança, fé, paz e amor. Jesus de Nazaré é o perfeito modelo de tudo quanto há de bom, esplêndido e belo no mundo. Só n’Ele encontramos o verdadeiro sentido para vida. Em Jesus temos a plenitude do amor, da felicidade e da eternidade já no presente. A experiência com Cristo preenche todo o nosso ser e nos leva a uma dimensão transcendental, a um universo de espiritualidade, de fé, de busca ardente de Deus, de busca da imensurável santidade e de um mundo belo e fraterno.

A missão de Jesus Cristo na cruz foi obra perfeita e única da redenção humana. A maior expressão do amor de Deus. Oh! Como é glorioso receber em nosso coração esse tão grande mistério do Amor Eterno, esse tão imenso Sacrifício de amor”.

Pe. Inácio José do Vale, OSBM

Tríduo Pascal - Sexta-feira Santa - Abraça Jesus crucificado!



Abraça Jesus crucificado, amante e amado

“Querida irmã em Jesus,

Eu, Catarina, serva dos servos de Jesus, escrevo-te no seu precioso sangue, desejosa que te alimentes do amor de Deus e que dele te nutras, como do seio de uma doce mãe. Ninguém, de fato, pode viver sem este leite!

Quem possui o amor de Deus, nele encontra tanta alegria que cada amargura se transforma em doçura e cada grande peso se torna leve. E isto não nos deve surpreender porque, vivendo na caridade, vive-se em Deus: ‘Deus é amor; quem permanece no amor habita em Deus e Deus habita nele’. Vivendo em Deus, por conseguinte, não se pode ter amargura alguma porque Deus é delícia, doçura e alegria infinita!

É esta a razão pela qual os amigos de Deus são sempre felizes! Mesmo se doentes, necessitados, aflitos, atribulados, perseguidos, nós estamos alegres. Mesmo quando todas as línguas caluniosas nos metessem em má luz, não nos preocuparemos, mas nos alegraremos com tudo porque vivemos em Deus, nosso repouso, e saboreamos o leite do seu amor. Como a criança suga o leite do seio da mãe assim nós, enamorados de Deus, atingimos o amor de Jesus Crucificado, seguindo sempre as suas pegadas e caminhando com Ele pelo caminho das humilhações, das penas e das injúrias. Não procuramos a alegria se não em Jesus e fugimos de toda a glória que não seja aquela da cruz.


Abraça, Jesus Crucificado, portanto, elevando a Ele o olhar do teu desejo! Toma em consideração o seu amor ardente por ti, que levou Jesus a derramar sangue de todas as partes do seu corpo!

Abraça Jesus Crucificado, amante e amado e nele encontrarás a verdadeira vida, porque Ele é Deus que se fez homem. Que o teu coração e a tua alma ardam pelo fogo do amor do qual foi coberto Jesus cravado na cruz!

Tu deves, portanto, tornar-te amor, olhando para o amor de Deus, que tanto te amou, não porque te devesse obrigação alguma, mas por um puro dom, impelido somente pelo seu inefável amor. Não terás outro desejo para além daquele de seguir Jesus! E, como que inebriada do Amor, não farás caso se te encontras só ou acompanhada: não te preocuparás com tantas coisas mas somente de encontrar Jesus e segui-lo!

Corre e não estejas a dormir, porque o tempo corre e não espera nem um momento!
Permanece no doce amor de Deus.
Doce Jesus, amor Jesus."

Santa Catarina de Sena
Das Cartas, carta n.165

quinta-feira, 9 de abril de 2009

Tríduo Pascal – Quinta-feira Santa - Cristo se entregou a si mesmo por amor a nós e à Igreja



Cristo se entregou a si mesmo, inteiramente, às dores e à morte por amor a nós e à Igreja

“São Paulo nos diz que ‘Cristo amou a Igreja’. A Igreja significa aqui o reino daqueles que devem, como da mesma forma o diz o Apóstolo, formar o corpo místico de Jesus. Cristo amou esta Igreja, e foi porque a amou que se entregou por ela. Foi o amor que comandou a Paixão.

Sem dúvida, antes de tudo, é pelo amor por seu Pai que Jesus quis sofrer a morte da cruz. Ele mesmo disse explicitamente: Ut cognoscat mundus quia diligo Patrem, sic facio, ‘A fim de que o mundo saiba que amo a meu Pai, realizo sua vontade, que é entregar-me à morte’.

Vejam Jesus Cristo em sua agonia. Durante três horas, a tristeza, o temor, as angústias inundam sua alma como uma torrente, e o invadem a ponto do sangue escapar das sagradas veias. Que abismo de dores nesta agonia! E o que diz Jesus a seu Pai? ‘Pai, se é possível afasta de mim este cálice’. Por acaso Cristo não aceitava a vontade de seu Pai? Sim! Certamente. Mas esta oração é o grito da sensibilidade da pobre natureza humana triturada pelo desgosto e o sofrimento: nesse momento, é sobretudo Vir sciens infirmitatem: um ‘homem tocado pela dor’. Nosso Senhor sente o peso espantoso da agonia sobre suas espaldas; quer que o saibamos, e este é o motivo pelo qual faz esta oração.


Mas escutem o que Ele subtamente acrescenta: ‘Todavia, ó Pai, que não se faça a minha vontade, mas a tua’. Eis aquí o triunfo do amor. Porque ama a seu Pai, põe a vontade de seu Pai acima de tudo e aceita sofrer tudo. Destaque-se que o Pai poderia, se o quisesse em seus desígnios eternos, atenuar os sofrimentos de Nosso Senhor, mudar as circunstâncias de sua morte; não o quis. Em sua justiça, exigiu que, para salvar o mundo, Cristo se entregasse a todas as dores. Esta vontade diminuiu o amor de Cristo? Certamente que não; Ele não disse: Meu pai poderia dispor as coisas de outra maneira; não. Ele aceita plenamente tudo o que seu Pai quer: Non mea voluntas, sed tua fiat.

Irá adiante, até a culminação do sacrifício. Alguns momentos antes de sua agonia, no momento de sua prisão, quando São Pedro quis defendê-lo, golpeando com sua espada um dos que vieram prender seu Mestre, o que disse o Salvador? 'Guarda a espada na bainha; acaso não beberei eu o cálice que meu pai me entregou?’ Calicem quem dedit mihi Pater, non bibam illum?'


Assim, pois, é antes de tudo o amor por seu Pai que move Cristo a aceitar os sofrimentos da Paixão. Mas é também o amor que tem por nós. Na última ceia, quando vai chegar a hora de terminar sua oblação, o que ele diz aos seus apóstolos reunidos ao redor dele? ‘Não há amor maior do que o amor daquele que dá a vida por seus amigos’, Majorem hac dilectionem nemo habet, ut animam suma Ponta quis pro amicis suiis. E este amor que sobrepassa todo amor, Jesus o vai mostrar a nós, porque, diz São Paulo, ‘foi por todos que se entregou’. Morreu por nós, ‘quando éramos seus inimigos’. Que maior prova de amor podia dar-nos? Nenhuma.

Do mesmo modo, o Apóstolo não cessa de proclamar que ‘é porque nos ama que se entregou; por causa do amor que me teve, deu-se por mim’. E ‘entregou’, ‘deu’ em que medida? Até a morte: Semetipsum tradidit”.

Beato Columba Marmion
“Jesus Cristo em seus mistérios”

Tríduo Pascal - Quinta-feira Santa -A Agonia do Getsemani



“Na agonia do Getsemani, Jesus Cristo, que não exagera, declara aos Apóstolos que sua alma “está triste até a morte”. Oh, abismo insondável! Um Deus, Poder e Glória infinitos,“começou a sentir temor, angústias e tristeza”. O Verbo Encarnado conhecia todos os sofrimentos que sobre Ele iam descarregar-se naquelas longas horas da Paixão; esta visão produzia em sua natureza sensível o efeito que uma simples criatura poderia sentir ante um remédio intragável – viam sua alma e divindade, de forma claríssima, todos os pecados dos homens, os ultrajes à santidade e ao amor infinito de Deus.


Carregara todas as iniqüidades, como que revestira-se delas e sentira sobre si o peso da cólera da justiça divina: “Sou um verme e não um homem, o opróbrio dos homens e a abjeção da plebe”. De antemão sabia que o sangue derramar-se-ia em vão para muitos homens, e este pensamento levava ao cúmulo a amargura da sua alma santíssima. Mas, como vimos, Jesus Cristo tudo aceitou. Agora se levanta, sai do Horto, e vai ao encontro de seus inimigos e de sua paixão”.

Beato Columba Marmion
“Jesus Cristo em seus mistérios”

Tríduo Pascal - Quinta-feira Santa - Na Agonia do Horto, Jesus aceita consolo do anjo



A Agonia do horto: aceitando o consolo do anjo, Jesus aceitava antecipadamente nossos consolos

“Por meio da tríplice oração de sua agonia, Jesus quis manifestar, com sua tristeza de morte diante do pecado do mundo, na véspera da quinta-feira, antes do começo de sua paixão externa, a disposição santíssima desta humanidade, sua oferenda como vítima, verbalizada já na ceia, pelos pecadores. Embora experimentasse um medo natural pelos sofrimentos, os suplícios e a morte sangrenta, se oferecia em um ato de livre e voluntária obediência à vontade salvífica do Pai para consumar a obra da Redenção. Foi nesse momento que – segundo o Evangelho de São Lucas – o Anjo Consolador apareceu a Jesus para fortalecê-lo (Lc 22,43). Propondo-lhe considerações que podiam diminuir sua tristeza e fortalecer as potências inferiores de sua alma, o Anjo não ensinou a Cristo como um mestre que ilumina a um discípulo. Cristo não ignorava os pensamentos propostos pelo Anjo, mas sua razão superior os tomava em consideração sem permitir a suas potências inferiores receber consolação alguma; o Anjo lhe apareceu de maneira sensível, humana, e lhe falou exteriormente.


Cristo quis receber este consolo como um dom do Pai, e o recebeu com gratidão, respeito e humildade. Este consolo não tinha por única finalidade ou por efeito dispensá-lo de sofrer pela salvação do mundo, mas, ao contrário, de ajudá-lo. Isto é muito bem mostrado no Evangelho de S. Lucas, segundo o qual a aparição consoladora é seguida pela «agonia», uma oração mais intensa, e pelo suor de sangue. Mais profundamente, este consolo não significava que Cristo houvesse tido necessidade do auxílio angélico – o Criador dos Anjos podia fazer descer do céu doze legiões de Anjos (Mt 26,53), mas que lhe pareceu necessário ser fortalecido com vistas à nossa consolação, da mesma maneira que esteve triste por nossa causa - propter nos tristis, propter nos confortatus – disse o Venerável Beda, seguido por São Boaventura.

Ao aceitar este consolo por nós, e em nosso nome, Jesus mostrava a realidade de sua humanidade e da debilidade humana que lhe reconhecia a Epístola aos Hebreus. Na aceitação, por nós e a nosso favor, do consolo angélico, Jesus antecipadamente queria significar que aceitaria nossos consolos para consolar-nos. Não só nos fazia merecedores de poder consolá-lo, mas também, por generosidade a nosso respeito, faz de nós seus consoladores para consolar-nos em nossos momentos de desolação.

Ao rezar por si mesmo, Jesus agonizante manifestava a vontade salvífica do Pai a respeito de nós. «Não a minha vontade, minha vontade espontânea de morrer, mas a tua vontade sobre mim, vontade pela salvação do mundo». Podemos dizer, pois, com São Tomás de Aquino, que sua oração por si mesmo era também oração pelos outros; e o santo acrescenta: «todo homem que pede a Deus um bem para empregá-lo em benefício dos outros não ora por si mesmo, mas também pelos demais». A vontade de Cristo de ser consolado é, portanto, vontade consoladora, longe de ser sinal de egoísmo. A fim de consolar-nos Nele, quer ser consolado por nós. Para fortalecer-nos quis ser fortalecido por um Anjo”.


Bertrand de Margerie, S.J.
Histoire doctrinal du culte au Coeur de Jesús

Tríduo Pascal - Quinta-feira Santa - Oração: Água viva para lavar Teus pés


A humildade de um Bispo

“Possas tu reservar-me, a mim também, ó Jesus, o cuidado de lavar teus pés, que sujaste enquanto caminhavas em mim! Possas tu apresentar-me, para que eu as lave, as manchas de teus pés, que prendi a teus passos por minha conduta! Mas onde encontrarei a água viva com a qual poderia lavar teus pés? Não tenho água, mas tenho lágrimas. Possa eu, lavando teus pés com elas, purificar-me a mim mesmo! Como fazer para que tu possas dizer de mim: 'Muitos pecados lhe são perdoados, porque ele muito amou'. Confesso que minha dívida é mais considerável, mas que muita coisa me foi perdoada, a mim que fui arrancado ao barulho das querelas do fórum e às terríveis responsabilidades da administração pública para ser chamado ao sacerdócio. Temo, pois, ser considerado um ingrato se amo menos, quando muito me foi perdoado.

Digna-te, pois, vir, Senhor Jesus, a este túmulo que sou! Lava-me com tuas próprias lágrimas, porque em meus olhos demasiado secos não encontro lágrimas suficientes para poder lavar minhas faltas. Se chorar por mim, estarei salvo. Se sou digno de tuas lágrimas, estarei livre do mau odor de todas as minhas faltas. Se eu for digno de que chores nem que seja um pouco, tu haverás de chamar-me para fora do túmulo deste corpo, dizendo: 'Vem para fora!'.

Vela, Senhor, sobre teu presente; tem sobre tua custódia o dom que me fizeste apesar de minha resistência! Eu sabia que não era digno de ser chamado ao episcopado, porque eu me tinha entregado totalmente a este mundo. É por tua graça que sou o que sou. E sou, sem a menor dúvida, o mínimo de todos os bispos e o mais pobre em méritos. Mas uma vez que também eu empreendi algum trabalho por tua santa Igreja, encarrega-te dos frutos deste trabalho. Não permitas que se perca, agora que é ele sacerdote, aquele que chamaste ao sacerdócio quando ainda estava perdido. E acima de tudo, permite-nos saber partilhar do fundo do coração a aflição daqueles que pecam. E esta a virtude suprema, pois está escrito: 'Não te rejubilarás sobre os filhos de Judá no dia de sua ruína e não farás grandes discursos no dia de sua tribulação'. Cada vez que se trata do pecado de alguém que caiu, que eu seja o primeiro a compadecer dele! Possa eu, em vez de me derramar em invectivas com orgulho, de preferência gemer e chorar, de tal modo que ao chorar o outro, chore também a mim mesmo, dizendo: Tamar é mais justa do que eu!”.

Santo Agostinho
Sur Ia Pénitence, II, 8, 67-73