Festa 09 de agosto
Edith Stein: fenomenologia e espiritualidade!
O teor espiritual da vida de Edith Stein foi ascendente, culminando, na última etapa de sua curta estada existencial – quando fora ‘hóspede’ de Hitler em Auschwitz – numa vida contemplativa. Esta elevação silenciosa, como a subida do Monte Carmelo, foi cada vez mais apurada e, inclusive, podemos dizer que tal acuidade espiritual revestiu, plenamente, sua existência (1). Esta ascensão purificadora, como o caminhar da alma às escuras da noite (2) é o que define o caminho da ascética à mística (3). A dimensão espiritual de sua vida foi, pouco a pouco, revelada através do caráter dinâmico de sua obra. Seus escritos se desenvolvem, verdadeiramente, a partir dos mais profundos anseios espirituais de uma vida intima e dinamicamente voltada para Deus. E esta veemência, longe de afastá-la do real, acercou-a ainda mais do mundo fenomênico a ponto de desejá-lo, entendê-lo e questioná-lo, objetivamente, mediante uma percepção cada vez mais apurada do mesmo.
Ela nos diz que é no seu íntimo, na sua essência, que a alma se encontra em casa. Por meio da atividade natural de suas faculdades, ela sai de si própria e vai ao encontro do mundo exterior, exercendo uma atividade sensível que é inferior à ela mesma (4). Tudo isso, mediante expressões sensíveis, sensações, sons, palavras, ações e obras, que correspondem certa manifestação interior, espontânea ou não, consciente ou inconsciente (5). Sua intensa preocupação acerca de uma teoria do conhecimento que desse conta do estabelecimento desta ponte é o marco de sua incansável busca. Mesmo os seus interesses mais comuns permearam-se com este ardor espiritual de uma vida interior (6). Independente de sua proeminente formação acadêmica edificava-se nela um natural interesse objetivo pelo mundo, mediante uma profunda e perspicaz visão subjetiva do mesmo. Nascera-lhe o desejo filosófico, mediante uma percepção natural.
Este amor à sabedoria a levaria questionar o modo como teria que se edificar uma ponte entre a maneira como este denso mundo pessoal –subjetivo marcado fortemente por uma atividade espiritual– percebe o mundo aparente e o modo como este mundo aparente –objetivo e caracterizado intensamente por uma objetividade corpórea– se apresenta à percepção subjetiva da consciência. Este modo subjetivo de considerar a realidade a aproximou da filosofia e de uma intensa percepção filosófica do mundo objetivo. Não obstante, esta cercania se deu a partir da própria tensão de seu mundo subjetivo, ou seja, de sua visão ‘pessoal’ e subjetiva do real.
Nestes termos seria plausível supor que a densidade espiritual de sua percepção subjetiva do mundo objetivo a impulsionaria, necessariamente, entendê-lo, a partir desta mesma subjetividade. Podemos dizer que a finura espiritual de sua vida a incentivou à percepção filosófica subjetiva de um mundo objetivo. Esta espiritualidade lhe exigia, em sua dimensão cognoscitiva, uma explicação. Era necessário, para um melhor entendimento do mundo, compreender-se a si mesma, mediante a compreensão do modo como sua própria consciência opera. Esta exigência passava pela compreensão de uma teoria do conhecimento que se arquitetasse sobre princípios norteadores da consciência, determinando-lhe a intencionalidade da percepção objetiva. Neste caso, qual filosofia, senão a de Edmund Husserl, poderia oferecer-lhe naquele momento, respostas mais adequadas à busca de compreensão do modo como se estruturava e operava a consciência, subjetivamente, na consideração objetiva do mundo? Sua aproximação à fenomenologia de Husserl foi inevitável.
E ela buscava, primeiramente, compreender e logo viabilizar, mediante a percepção filosófica subjetiva, esta ponte entre a percepção intencional da consciência e a objetividade do mundo real, a partir de um vivo diálogo da percepção do ego – a subjetividade – com o mundo – a objetividade. Não foi a intensidade da fenomenologia de Husserl que a fez desvelar-se em sua densidade subjetiva espiritual e convertê-la ao Catolicismo, mas ao contrário, foi a sua própria intensa vida espiritual, que a aproximou da fenomenologia de Husserl, vendo nesta uma possibilidade de arquitetar um modelo filosófico para a compreensão de como a consciência subjetiva e intencional opera sobre o real objetivo.
Foi esta veemência espiritual que a fez ver, cada vez mais, no Cristianismo, uma efetiva resposta às suas mais profundas aspirações intelectuais e espirituais, que a própria fenomenologia não lhe poderia oferecer. Este clamor de uma vida contemplativa não pressupôs a filosofia, antes, ao contrário, foi este ardor místico que a fez amar a filosofia e denotar, mediante ela, sua vocação sobrenatural. Não há dúvida que a filosofia colaborara para uma melhor visão cristã do mundo. Se a filosofia a fez chegar ao Cristianismo, a própria ciência do Cristianismo – a qual denominou ciência da cruz – lhe proporcionaria descobrir a intensa vida do Evangelho, cristalizadas em obras de espiritualidade e de teologia, como as de mística de São João da Cruz, Santa Teresa de Ávila e a Filosofia e Teologia de Tomás de Aquino. Eis as descobertas que lhe marcariam profundamente, no que se refere ao seu modo de ser e ao modo de pensar o mundo.
1 E. Stein, Chemins vers le silence intérieur. Textes choisis et présentés par Vincent Aucante. Saint-Maur, Parole et Silence, 1998, p. 11-69.
2 S. João da Cruz, Subida do Monte Carmelo, Liv. I. Cap. II, n. 1. [Obras Completas, 7ª edição. Petrópolis, Vozes, 2002, p. 143].
3 R. Garrigou-Lagrange, Les trois âges de la vie intérieure, prélude de celle du Ciel. Tome Ier. Paris, Les Éditions du Cerf, 1938, p. 16-29.
4 E. Stein, A Ciência da Cruz. Tradução de D. Beda Kruse. São Paulo, Edições Loyola, 2002, p. 127.
5 E. Stein, A Ciência da Cruz. Op. cit., p. 130.
6 E. Stein, Chemins vers le silence intérieur. Op. Cit. p. 11-69.
Ela nos diz que é no seu íntimo, na sua essência, que a alma se encontra em casa. Por meio da atividade natural de suas faculdades, ela sai de si própria e vai ao encontro do mundo exterior, exercendo uma atividade sensível que é inferior à ela mesma (4). Tudo isso, mediante expressões sensíveis, sensações, sons, palavras, ações e obras, que correspondem certa manifestação interior, espontânea ou não, consciente ou inconsciente (5). Sua intensa preocupação acerca de uma teoria do conhecimento que desse conta do estabelecimento desta ponte é o marco de sua incansável busca. Mesmo os seus interesses mais comuns permearam-se com este ardor espiritual de uma vida interior (6). Independente de sua proeminente formação acadêmica edificava-se nela um natural interesse objetivo pelo mundo, mediante uma profunda e perspicaz visão subjetiva do mesmo. Nascera-lhe o desejo filosófico, mediante uma percepção natural.
Este amor à sabedoria a levaria questionar o modo como teria que se edificar uma ponte entre a maneira como este denso mundo pessoal –subjetivo marcado fortemente por uma atividade espiritual– percebe o mundo aparente e o modo como este mundo aparente –objetivo e caracterizado intensamente por uma objetividade corpórea– se apresenta à percepção subjetiva da consciência. Este modo subjetivo de considerar a realidade a aproximou da filosofia e de uma intensa percepção filosófica do mundo objetivo. Não obstante, esta cercania se deu a partir da própria tensão de seu mundo subjetivo, ou seja, de sua visão ‘pessoal’ e subjetiva do real.
Nestes termos seria plausível supor que a densidade espiritual de sua percepção subjetiva do mundo objetivo a impulsionaria, necessariamente, entendê-lo, a partir desta mesma subjetividade. Podemos dizer que a finura espiritual de sua vida a incentivou à percepção filosófica subjetiva de um mundo objetivo. Esta espiritualidade lhe exigia, em sua dimensão cognoscitiva, uma explicação. Era necessário, para um melhor entendimento do mundo, compreender-se a si mesma, mediante a compreensão do modo como sua própria consciência opera. Esta exigência passava pela compreensão de uma teoria do conhecimento que se arquitetasse sobre princípios norteadores da consciência, determinando-lhe a intencionalidade da percepção objetiva. Neste caso, qual filosofia, senão a de Edmund Husserl, poderia oferecer-lhe naquele momento, respostas mais adequadas à busca de compreensão do modo como se estruturava e operava a consciência, subjetivamente, na consideração objetiva do mundo? Sua aproximação à fenomenologia de Husserl foi inevitável.
E ela buscava, primeiramente, compreender e logo viabilizar, mediante a percepção filosófica subjetiva, esta ponte entre a percepção intencional da consciência e a objetividade do mundo real, a partir de um vivo diálogo da percepção do ego – a subjetividade – com o mundo – a objetividade. Não foi a intensidade da fenomenologia de Husserl que a fez desvelar-se em sua densidade subjetiva espiritual e convertê-la ao Catolicismo, mas ao contrário, foi a sua própria intensa vida espiritual, que a aproximou da fenomenologia de Husserl, vendo nesta uma possibilidade de arquitetar um modelo filosófico para a compreensão de como a consciência subjetiva e intencional opera sobre o real objetivo.
Foi esta veemência espiritual que a fez ver, cada vez mais, no Cristianismo, uma efetiva resposta às suas mais profundas aspirações intelectuais e espirituais, que a própria fenomenologia não lhe poderia oferecer. Este clamor de uma vida contemplativa não pressupôs a filosofia, antes, ao contrário, foi este ardor místico que a fez amar a filosofia e denotar, mediante ela, sua vocação sobrenatural. Não há dúvida que a filosofia colaborara para uma melhor visão cristã do mundo. Se a filosofia a fez chegar ao Cristianismo, a própria ciência do Cristianismo – a qual denominou ciência da cruz – lhe proporcionaria descobrir a intensa vida do Evangelho, cristalizadas em obras de espiritualidade e de teologia, como as de mística de São João da Cruz, Santa Teresa de Ávila e a Filosofia e Teologia de Tomás de Aquino. Eis as descobertas que lhe marcariam profundamente, no que se refere ao seu modo de ser e ao modo de pensar o mundo.
1 E. Stein, Chemins vers le silence intérieur. Textes choisis et présentés par Vincent Aucante. Saint-Maur, Parole et Silence, 1998, p. 11-69.
2 S. João da Cruz, Subida do Monte Carmelo, Liv. I. Cap. II, n. 1. [Obras Completas, 7ª edição. Petrópolis, Vozes, 2002, p. 143].
3 R. Garrigou-Lagrange, Les trois âges de la vie intérieure, prélude de celle du Ciel. Tome Ier. Paris, Les Éditions du Cerf, 1938, p. 16-29.
4 E. Stein, A Ciência da Cruz. Tradução de D. Beda Kruse. São Paulo, Edições Loyola, 2002, p. 127.
5 E. Stein, A Ciência da Cruz. Op. cit., p. 130.
6 E. Stein, Chemins vers le silence intérieur. Op. Cit. p. 11-69.
Professor Dr. Paulo Faitanin
Departamento de Filosofia –UFF
Cit.por aquinate.com
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