terça-feira, 19 de maio de 2009

Sobre o juízo dos homens e o amor próprio



“Ó morte, que doce é a tua sentença (Sir 41,2). Para que penso no amanhã? Devo fazer, com toda a diligência do espírito, tudo quanto Deus quer de mim em cada momento, deixando que Ele se preocupe com o futuro.

A idéia dos exames assusta-me; não sei como apresentar-me aos meus professores, a todo o corpo docente reunido, para provar que estudei. E o que fará minha alma, sozinha, pobre pecadora, diante de toda a corte celestial, diante de Jesus, Juiz divino? Os santos tremiam de espanto só ao pensá-lo, escondiam-se nos desertos, e eram santos. Quão louco sou! Tremo quando não há razão e no que deveria preocupar-me, penso pouco. Tenho, pois, que ser mais objetivo. Menos medo dos exames aqui da terra, e mais aplicação para ganhar méritos e fazer boas obras que me suavizem o juízo de Deus.

Porque tanta angústia e preocupação com o êxito? No fundo é tudo por causa da opinião que possam ter acerca da minha pessoa, porque sou escravo do juízo dos homens, escravo do meu amor próprio. Que insensatez! O que me importa o juízo dos homens? Serão eles que hão de premiar-me? Não são para Deus, afinal, todos os meus atos? Tenho de aprender a enfrentar o juízo dos homens, a despreocupar-me, a não deixar que me afete de modo nenhum, porque, no futuro desempenho do ministério sacerdotal, me verei obrigado, com freqüência, a contrariá-lo e a desafiá-lo, se quiser fazer algum bem. ‘Se tratasse de agradar aos homens, não agradaria a Deus’, dizia São Paulo.

O meu pai espiritual insiste em que, durante os santos Exercícios, me ocupe sobretudo do meu amor próprio, do outro eu, pois não serei realmente grande, nem útil para nada, enquanto não me despojar por completo de mim mesmo. O amor próprio. Que problema, se bem pensarmos. Quem terá conseguido definir em que consiste? Que filósofo se terá ocupado dele? E é a questão mais importante que trazemos entre as mãos, uma questão decisiva. E quem pensa nisso? Contudo, Jesus Cristo – e estou a vê-lo nas meditações destes dias – nos seus ensinamentos, mais não fez do que indicar-nos como havemos de lutar, na prática, contra esse inimigo mortal que corrompe todas as nossas ações.


É uma exposição, um conjunto doutrinal admirável, que me dá o que pensar; embora não seja a primeira vez que o ouço, mostra-me certos aspectos que me parecem novos, revela-me certos aprofundamentos desconhecidos e maravilhosos. Mas – e aqui aumenta o espanto – a vida de Jesus, considerada sob esse aspecto, é uma revolução em toda a linha, uma contradição dos modos de ver, sentir, raciocinar, mesmo das pessoas piedosas e realmente boas.

Quanto a nós, ou somos santos de todo, esforçando-nos por alcançar o terceiro grau de humildade, isto é, querer padecer e ser menosprezado, ou não somos nada: com o primeiro grau, as lições de Jesus quase ficam sem fruto e o amor próprio só aparentemente é anulado. É essa a conclusão. Mas então, o que ando a fazer se nem sequer alcancei o primeiro grau da humildade?

Amável Jesus, prostro-me aos vossos pés, certo de que sabereis realizar aquilo que nem sequer sou capaz de imaginar. Quero servir-vos até onde quiseres, custe o que custar, sob pena de qualquer sacrifício. Não sei fazer nada; não sei humilhar-me; a única coisa que sei dizer-vos e vos digo firmemente é: quero humilhar-me, quero amar a humilhação, a falta de atenções que o meu próximo tiver para comigo; lanço-me de olhos fechados, de boa vontade, no mar de desprezos, sofrimentos e abjeções a que vos agrade sujeitar-me. Sinto repugnância em vos dizer, sinto angústia no coração, mas prometo isso a Vós. Quero sofrer, quero ser desprezado por vosso amor. Não sei o que vou fazer, nem sequer acredito em mim mesmo, mas não desisto de o querer com toda a força da minha alma: padecer e ser desprezado por teu amor”.


Seminarista Angelo Giuseppe Roncalli (Papa João XXIII)
Diário de uma alma, (2ª parte, no Seminário de Roma)


Nenhum comentário: